Há dias em que saio de casa e adoro o mundo e as pessoas que nele habitam. Vou pela rua a andar e a cantar e a dançar e às vezes até espalho pelos outros – essas pessoas que adoro – a minha contagiante boa disposição. Ora, isso é péssimo e nocivo para o mundo. As nossas vidas precisam de um pouco de ódio para equilibrar a balança. E, ciclicamente, eu preciso de algo que renove o meu ódio por pessoas e gente. Por isso é que estou contente (por estar zangado) outra vez: chegou a época dos festivais de Verão.
O Rock in Rio é um centro comercial gigante que não vende nada que tu queiras comprar. E isso atrai imensa gente. Tudo começou no metro na sexta-feira à tarde. Foi aí que vi a minha primeira patilha à mitra do fim-de-semana. Estava longe de ser a última. Vinha associada, como tantas outras, a um corpo de culturista, cabelo descolorado em cima com quantidades industriais de gel, bem como a uma namorada a condizer, com rabo saído à stripper. Basicamente, era o primeiro de muitos casais com a colecção toda da D&G.
Por falar nisso, tenho uma sugestão que melhoraria o mundo muito mais que um milhão de edições do Rock in Rio. Decapitação automática para todos os clientes da D&G. Era simples e eficaz e nada injusto. Pensa bem. Há justificação para ser cliente da D&G? Não. É só uma ideiazinha, mas se todos nós tivessemos ideias destas, talvez a existência do Rock in Rio não fosse necessária, porque o mundo já estaria salvo e não seria preciso estar a lutar por um mundo melhor.
Mas o Rock in Rio existe e possibilita experiências que eu nunca teria de outra maneira. Por exemplo, descobri um corte de cabelo à
DJ Pauly D do Jersey Shore, o que mostra que, felizmente, essa soberba série já tem repercussões por cá, o que é muito positivo. O recinto está desenhado de maneira que, dentro do teu campo de visão, nunca haja menos que dois logótipos de marcas importantes nem menos de vinte pessoas que tu queiras executar sem julgamento. Alguém me explica por que raio é que há pessoas que, não sendo o Bruce Willis a fazer de John McClane, têm o desplante de sair à rua de wife beater (não há justificação possível para isso, tal como não há justificação possível para fazer compras na D&G). Ou, pior, de manga cava. Há quem pareça ter passado o ano inteiro a malhar no ginásio para mostrar os músculos num festival de Verão.
Neste centro comercial vende-se tudo menos música. Há uma loja da Fnac que vende no máximo dos máximos dez álbuns diferentes, dois ou três livros e um ou outro DVD. Tirando isso, não há mais música à venda. Há, sim, stands em que "celebridades" são mestres de cerimónias e animam as pessoas com piadas terríveis. Num stand da Etic a dizer "THE ETIC SHOW" atrás está o Manuel Marques a dizer "se calhar devia imitar a Shakira para me ouvirem". Um bocado abaixo há uma coisa que diz "Control Peep Show" e tem raparigas de coro a dançar ao som de canções de cabaré escolhidas pelo Gimba (alguém que adoro do fundo do coração e tinha uma camisa incrivelmente feia, a condizer com o ambiente). Atrás das dançarinas, o mestre de cerimónias: Quimbé. Nunca percebi bem quem é o Quimbé nem o que ele faz na realidade, mas a falta de piada dele e o facto de haver gente a rir com as suas piadas terríveis é daquelas coisas que me dão uma injecção de ódio pelas pessoas.
Não sou preto, mas a forma como o John Mayer pega nos blues e noutras músicas negras e transforma aquilo nas suas canções anodinamente hediondas ofende-me pessoalmente. A maior parte das coisas de que gosto ou são feitas por pretos ou por brancos que querem ser pretos e tocar música de pretos e falham redondamente quando o tentam. Está aí a piada. Se calhar o problema do Mayer é saber tocar realmente guitarra. É que, a julgar pelo que ele diz à Rolling Stone e pela maneira como se portava quando era convidado do Conan, o Mayer até é um gajo com piada e adorava que isso se notasse nas canções terríveis dele.
Apesar de gostar do Elton John (e ouvir "Tiny Dancer" ao vivo é incrível, não quero saber se não gostas da canção por causa do
Almost Famous e do Cameron Crowe ser idiota, tu é que és idiota, vai-te embora e pára de me chatear), as únicas razões que eu tinha para ir (além do male bonding que é sempre reforçado neste tipo de eventos em que um gajo tem de andar em pé de um lado para o outro à seca) estavam no segundo dia eram os Major Lazer (por causa do Skerrit Bwoy) e o gajo dos XX (não tenho qualquer apreço pelos XX, mas os sets do gajo, com dubstep porreiro e pop, são incríveis).
O tipo dos XX esvaziou a tenda electrónica, que no dia antes tinha estado cheia de gajos que pensavam que estavam no Pacha de Ofir. T-shirts de gola em V e tipos que se punham às cavalitas uns dos outros e punham as palmas das mãos no ar para puxar pela malta eram o complemento perfeito para DJs que passavam sopros manhosos enquanto punham o dedo no ar. Abominável. Ou seja, os mitras não gostam de dubstep (tirando quatro ou cinco pastilhados que dançavam como se aquilo fosse bailado), como a maior parte dos fãs de XX odiariam os sets do gajo (mas graças a Deus que um puto que se veste de preto e tem ar de ter a discografia completa dos Cure não entra por esse lado como DJ).
O Skerrit Bwoy não tem qualquer tipo de talento descernível, a não ser o facto de ser o Skerrit Bwoy 24 horas por dia, especialmente em cima de um palco ou de uma coluna. Veio só o Diplo (o Switch ficou noutro sítio qualquer), o Skerrit Bwoy e duas dançarinas que serviam para colmatar o desconhecimento e a vergonha do público perante o
daggering (provavelmente, a melhor dança de sempre). Houve pouco daggering, mas foi bom daggering, com o Skerrit a vergá-las sorridentes e a simular a cópula. A música era porreira, mas soa melhor em disco, talvez pelo facto de o Skerrit ser um mero hype man que praticamente não se ouve e, assim, o Diplo não puxar tanto pelos vocalistas pré-gravados.
Não estava cheio, as pessoas devem ter ficado cansadas depois dos 2 Many DJs, que fizeram um set que considero ser moralmente questionável. Tocam as mesmas músicas de sempre, com passagens perfeitas, sem qualquer erro ou espaço de manobra. Parece estar tudo pré-gravado. Não havia imagens nos ecrãs, por isso até duvido que eles tenham estado lá. Pode acusar-se os Daft Punk de fazer o mesmo, mas nunca vi os Daft Punk ao vivo e uma vez quando foram com o Kanye West aos Grammies eles estavam a tocar nuns botõezinhos e por isso aquilo é ao vivo, estás a ver? Isto podia nem ser, já que havia enimações atrás dos gajos que eram as capas dos discos que eles estavam a tocar e a alternar, em tempo real. Além disso, porra, devia ser proibido passar-se New Order e, duas malhas depois, Joy Division (agora que penso nisso, devia ser proibido passar-se Joy Division, outra medida por um mundo melhor).
Adorava ter tido coragem/companhia para experimentar o daggering. Teria tornado a minha (má) experiência num mau festival em algo muito mais proveitoso e memorável. Às vezes penso que, passada a fase da adolescência do elitismo e o caraças de só ouvir cenas desconhecidas (ou que pensava eu serem desconhecidas) até tenho uns gostos bastante mainstream. Mas vou a um festival destes e fico impressionado com aquilo em que as pessoas caem. Mesmo. No último episódio do
30 Rock (que foi especialmente bom numa temporada assim-assim – o que não quer dizer que não continue a ser uma das melhores séries cómicas do mundo de sempre), a Liz Lemon conhece o Matt Damon e, em conversa, ela diz: "I hate people too!" Senti-me assim. Por falar nisso, também é especialmente doloroso lembrar-me de que o Chuck Lorre tem duas séries horríveis no ar (e vem aí mais uma a caminho, sobre pessoas gordas, o tópico mais brejeiro de sempre, óptimo para um gajo que escreve comédia tão horrível) e o
30 Rock não é visto assim por tanta gente, ou seja: AS PESSOAS SÃO ESTÚPIDAS. Felizmente, tive alguns colegas com quem partilhar o ódio. É que, quando se odeia pessoas, não faz sentido deixar esse ódio todo para nós. É bonito partilhá-lo com os outros. O mundo é um sítio melhor assim.