domingo, maio 28, 2006

Divagações livres sobre Wilco

Wilco
(em defesa deles, não há melhor que quando o Tweedy brinca aos falsetes mais ou menos a meio da canção, com aquela voz fraca e frágil que funciona tão, mas tão bem, e esta é bem capaz de ser a canção mais country deles desde antes do Yankee Hotel Foxtrot, as outras faixas de que falo no texto são "Just a Kid", a primeira com o Nels Cline, da banda-sonora do Spongebob Squarepants, escrita para o filho do Tweedy, power-pop do melhor com coro de crianças e "Kicking Television", do álbum ao vivo homónimo, rock'n'roll com bons riffs e gritos do Tweedy)

quarta-feira, maio 24, 2006

Grindie

Não sou fã de grime, muito menos daquilo a que se chama indie neste contexto, mas grindie é a melhor coisa do ano. Não sei há quanto tempo existe, só tomei conhecimento com esta prática de misturar o melhor dos dois mundos recentemente. Alterar o pitch, adicionar umas batidas e umas rimas podia parecer banal, mas não soa a nada disso. Como a malta do grime não é obcecada com a história, com a validade musical, com a pretensão e o caraças de seguir regras, estas coisas soam sempre urgentes e genuínas e livres. "Livre" no sentido de não se saber onde as coisas vão parar, de não se poder conter isto de forma nenhuma, sei lá, como me parece a guitarra do Ali Farka Touré no princípio do Talking Timbuktu - não tem nada a ver, mas vem-me sempre à cabeça quando penso em coisas que não podem ser contidas de forma nenhuma, tal é a sua urgência. Saiu assim porque é assim que as coisas saem, fez-se e pronto.
Gosto, por exemplo, dos exemplos mais mainstream saídos do grime, como o Kano ou o Dizzee Rascal, mas nunca tive muita vontade de aprofundar a cena toda (é demasiado extensa/não me atrai assim tanto), mas parece-me um movimento actual e válido, como o funk de favela, ou kuduro (apesar de odiar isto, parece que algo como os Buraka Som Sistema ou assim tem muito de válido, tanto que convenceram o Diplo - ultra-fã destes movimentos de rua ultra-chungas - a aprofundar esta cena) ou o que quer que seja, com as pessoas no meio da rua a fazerem música como sabem, sem ter qualquer conhecimento musical, sem provavelmente ter ouvido quantidades industriais de música, só para pôr as pessoas a dançar ali no meio. Parece um bocado isto, o grindie. Os Interpol ou os Bloc Party ou os Strokes ou essas bandas todas pensadíssimas ao pormenor (sem juízos de valor, até gosto das três bandas, moderadamente da do meio e um bocado mais das outras duas) juntas com os Blondie ou os TV on the Radio ou sei lá mais o quê numa das coisas mais cruas e puras que pode haver. E as festas parecem ser demasiado divertidas para ser verdade.
O grindie é a playlist do Incógnito mas em bom.

Divagações livres sobre Lupe Fiasco

Lupe Fiasco

terça-feira, maio 23, 2006

Maxime <3 Sopranos

No Marquês de Pombal fica-se sempre de 15 a 20 minutos à espera do autocarro. Isto transforma uma viagem de 5 ou 10 minutos de carro numa de uma hora de autocarro e metro. É belíssimo. Para tentar evitar o calor - o que é muito difícil, visto a paragem estar horrivelmente mal feita, por ser "temporária" (já lá está há uns dois anos, viva o ser temporário) -, temos de nos tentar abrigar e esperar a nossa vez. Vão passando muitos autocarros, acho que o 11 vai para a Damaia, o 48 para Miraflores e o 83 para as Amoreiras (directo). O 23 nunca chega. Também podemos observar os táxis e carros que não param de passar, sendo até que alguns deles podiam ter-nos morto apenas momentos antes (é uma grande aventura atravessar a rua, especialmente se o autocarro que queremos apanhar estiver perto (é que 20 minutos ali são 20 minutos horríveis). As probabilidades de num desses carros ou táxis estar um actor da série Sopranos são cada vez maiores.
O Maxime não pára de ressuscitar artistas famosos da nossa praça que já estão para morrer nem de trazer a Portugal actores da referida série. O que até faz sentido. Aquilo tem shows de striptease e o Tony Soprano tem uma casa disso na série. Não tem? Se calhar, por serem todos italo-americanos, têm uma forte ligação com Portugal. Não sei. Primeiro foi o outro gajo que nem sequer era mafioso, era cozinheiro e ganhava dinheiro honestamente, só era um dos melhores amigos do Tony. Isto não tem propriamente algo a ver com música, ou tem? Agora é Michael Imperioli, o sobrinho do Tony que é muito mau e viciado em heroína e que tinha aquela namorada gira que tinha uma amiga que afinal era do FBI. Que raio de música faz esta gente? Não sei. Ninguém sabe. É que, na minha cabeça, só o Litte Stevie Van Zandt é que era músico. Mas decerto que aquilo estará minimamente cheio, só porque as pessoas querem ir ver "o gajo dos Sopranos". A música é acessória, tal como, sei lá, quando as pessoas vão ver o Woody Allen tocar. Mas aí pagam mesmo preços exorbitantes. Até é simpático, o ambiente de cabaret, de casa de má fama, portanto, nada contra isso.
Vai ser bonito um dia ver o Imperioli num desses carros a passar no Marquês de Pombal. Se calhar vou ter medo da cara dele - ele é um bocado assustador -, se calhar vou achar interessante. Mas nunca saberei a que soa a música dele, na estreia mundial do seu trio La Dolce Vita (ele é italo-americano e parece que precisa de dizê-lo a toda a hora).

domingo, maio 21, 2006

Dúvidas

1. Porque é que o gajo de Ignatz não tira metade da distorção e dse cinge a fingerpickin' bonito e tal e não deixa de cantar, já que ninguém percebe o que ele diz de qualquer foram?
2. Desde quando é que o gajo dos Espers é igualzinho ao geek mais velho do Freaks & Geeks, aquele de cabelo comprido (mas sem o buço)?
3. Desde quando é que o Chris Corsano parece um puto?
4. Desde quando é que os Fish & Sheep têm set-list?
5. Será que o MF Doom usa a máscara em estúdio quando está a gravar e ninguém está a ver?

sexta-feira, maio 19, 2006

Ficava mal referir os Dismemberment Plan aqui

Sentado à espera do autocarro às 11 e muito da noite em Alcântara (é a primeira vez em muito tempo que saio de um concerto a horas de apanhar o autocarro para voltar para casa, não acontece muito), não há melhor para ouvir que "Lost in Boston", do novo dos Walkmen. Parece que é exactamente a mesma coisa que era o disco anterior: um disco dispensável, com um tipo que não sabe cantar, que tem uma voz horrível, com umas guitarras interessantes aqui e ali, mas com uma malha intemporal no meio. No anterior era "The Rat", uma malha absoluta que enche qualquer pista de dança (pelo menos gostava que assim fosse, na última vez que fui ao Incógnito isso não aconteceu).
Ficava mal referir os Dismemberment Plan porque o grande Nick Sylvester já fez a referência no título de um post do blog dele ("The Ice of Boston" é, simultaneamente, a melhor canção de sempre sobre uma cidade a que nunca fui e a melhor canção de ano novo de sempre). Mas, afinal, se não fosse ele e o tipo do No Frontin', nunca teria reparado naquilo, porque não tinha grande interesse em ouvir o novo disco dos Walkmen. Mas não havia melhor para a noite de ontem, com a Alcântara suja e decadente à minha frente. E hoje, no caminho Campo Pequeno-Marquês de Pombal, a canção exigiu umas três ou quatro repetições após ter ouvido o disco inteiro. Não é uma malha como era "The Rat", é menos poderosa, apesar de ter guitarras e bateria pungentes. A voz do gajo anda por lá em divagações e desafinações que não deviam ser nada, mas é nestes raros casos que o tipo acerta. É uma canção tão boa, mas será que teria dado por ela se não tivesse sido influenciado pelo Sylvester e pelo outro gajo? Será que isso interessa?
No outro dia ouvi o Brown Sugar do D'Angelo a seguir ao Voodoo. Gosto mais do Voodoo. É mais orgânico. Será que isso faz de mim roquista?

quinta-feira, maio 18, 2006

18 de Maio

Declaro oficialmente o dia 18 de Maio como o dia de silêncio das bandas cujo ganha-pão é pilhar toda a carreira do Ian Curtis. Obrigado.

Arcade Fire=Yeah Yeah Yeahs

Nunca me meti nos Yeah Yeah Yeahs. Não sei o que estava a fazer em 2003 quando não ouvi, de todo, Fever to Tell. Aliás, acho que a primeira vez que ouvi uma canção dos Yeah Yeah Yeahs foi em 2005. Acho que "Maps" talvez seja uma canção razoável. Ao fazer a minha ronda matinal (nunca é matinal, é quando me dá na cabeça) de blogs de mp3, deparei-me com uma versão dos Arcade Fire dessa canção.
Fui ao Incógnito algumas vezes (aliás, deve ter sido lá que ouvi pela primeira vez "Maps"), e chego à conclusão de que os Arcade Fire e os Yeah Yeah Yeahs são a mesma banda (da mesma forma que St. Elsewhere dos Gnarls Barkley é o equivalente de 2006 ao The Love Below dos Outkast: pela resposta do público e não por motivos sonoros). São adorados pelas mesmas pessoas que, à excepção do revivalismo do rock e do pós-punk versão MTV2, não ouvem música moderna, acham que a música acabou nos anos 80. Mas conseguem elevar-se acima dessas bandas, criando algo que, apesar de derivativo, não pode ser acusado de copiar nada de especial. Então, uma versão de "Maps" pelos Arcade Fire há-de ser o sonho erótico de muita gente que conheço. Não?
As vozes dos Arcade Fire são mais ou menos basicamente uma merda, acho que todos concordamos com isso, cantam mil vezes pior que a Karen O, apesar de eu gostar mais deles do que dos Yeah Yeah Yeahs. O baterista também não é grande coisa e, especialmente aqui, nesta versão, nota-se a sua incompetência quando comparado com o outro gajo que parece indiano e usa óculos dos YYYs. Despojada da produção magnífica de David Andrew Sitek (a terceira banda deste trio, muito acima das outras duas, poderá ser TV on the Radio, e isso faz-me dormir tão melhor à noite) e da guitarra do outro tipo cujo apelido é quase onomatopeico, não soa assim tão bem. E aqui está, uma versão tão óbvia e tão fácil que até é corajosa. Não? Dou dois meses até estar na playlist do Incógnito e passar todas as noites, entre a enésima emulação dos Joy Division ou entre os vários temas dos próprios Joy Division que lá passam, para deleite daquelas pessoas que revivem noite após noite após noite 2003 e 2004 (ou 2005, porque em 2004 pensavam que Arcade Fire era muito esquisito e demasiado alternativo para eles, ou porque não têm acesso nenhum à imprensa estrangeira).

terça-feira, maio 16, 2006

Common

Há um tipo em duas das minhas turmas que parece ter parado nos anos 90. Não, não veste camisas de flanela, usa calças de ganga com a cintura levantada, t-shirts dentro das mesmas, ténis Nike daqueles feios e pretos (ou pelo menos imagino assim), tem um estojo da NBA, cor-de-laranja e tudo, com uma bola de basket que sai e tal, tem cabelo desgrenhado e barba mal tratada, é um verdadeiro nerd dos anos 90. Gosto de pensar que ele é feliz assim, interrompendo a professora para mostrar que leu o que era preciso, que sabe, muitas vezes prolongando a aula, até deve ter alguns amigos, não sei.
O Common, nos seus dois últimos discos, Electric Circus e Be, tem convidados bons e convidados maus. Entre os convidados bons encontra-se gente como Cee-Lo Green, Jill Scott, Laetitia Sadler (Stereolab), Jay Dee, ?uestlove, Kanye West, etc., e entre os convidados maus encontra-se gente como o tipo dos P.O.D. ou o John Mayer. E, algures lá no meio, colaborou com Fort Minor, o projecto de Mike Shinoda dos Linkin Park a solo, num dos piores singles de todos os tempos. Gosto de pensar que ele é feliz assim. Temos um óptimo artista entre gente muito má. Se calhar o outro tipo da minha turma também é feliz assim, lá no fundo, por baixo de tudo aquilo que mostra, também é uma pessoa simpática, com bom fundo, e um tipo cheio de cérebro.
Estas manchas no curriculum do Common são aquilo que faz com que, por exemplo, Electric Circus não seja um disco excelente. É um disco muito bom, tem uma das minhas canções favoritas de sempre, "Between Me, You and Liberation", mas depois tem uma faixa com o tipo dos P.O.D. e estraga tudo. E, por exemplo, o beat da faixa com a Laetitia Sadler, até chegar ao refrão, é uma coisa de fugir. Isso e é demasiado grande.
Em 2002, quando o disco saiu, andava eu a descobrir os A Tribe Called Quest, a conhecer The Low End Theory, ainda hoje um dos meus discos favoritos, e apressei-me a formar uma opinião má sobre o Common. Não sei porquê, a primeira vez que o ouvi soou-me a um Q-Tip menos bom. Tive de esperar até 2005 para perceber quem era o senhor, primeiro com "The Corner", o single com o Kanye West e os Last Poets, e depois com Be. Como é óbvio, a faixa com John Mayer não é um fracasso total, não se compara ao nerd dos anos 90 da minha turma, especialmente porque ele se limita a cantar "Go", o que salva tudo. Mas o Common gosta de nu-metal e espero sinceramente que seja feliz assim, apesar de dizer muito que espero que seja porque precisa de dinheiro.
"Between Me, You And Liberation" tem uma das melhores prestações vocais de Cee-Lo Green de sempre, um refrão simples, onde ele soa contido e não louco como sempre (tive uma conversa no outro dia em que diziam que o Cee-Lo não se sabia conter, que o Dwele era bem melhor por causa disso, e dei este tema como exemplo da sua versatilidade). É a história de uma mulher que se liberta através da sua sexualidade, tendo sido violada em criança, e a história de Common descobrir e aceitar, como um MC famoso pela sua homofobia, a homossexualidade de um dos seus melhores amigos, deixando para trás a homofobia. "Sometimes I wish a / careless whisper / Serenade her / without speaking a word / Because of you I'm stronger / I'm afraid no longer / I feel so alive lately / You have liberated me", acho que é este o refrão. E depois a produção espacial pode soar estranha, mas nunca retira à canção a sua carga emocional e o seu poder.
E esqueço sempre o que acontece na primeira parte do disco, esqueço-me do tipo dos P.O.D., mas espero sempre sinceramente que o Common seja feliz assim, gostando de nu-metal, uma das maiores aberrações de sempre.

Retiro o que disse

Quando ela puxa demasiado pela voz e há pouco a acompanhá-la (como em "A Widow's Toast") perde-se totalmente. Soa foleira.

Neko Case

Nunca dei muito pela Neko Case a solo. Gosto da voz dela, acho-a uma tipa extremamente atraente, gosto muito dos New Pornographers, mas a solo nunca fui grande fã. Talvez seja demasiado country sem o alt. atrás que me faça gostar daquilo. Mas sei que estou a ouvir Fox Confessor Brings the Flood (atrasadíssimo, já toda a gente ouviu isto há meses, mas eu não, fiquei-me pelo Howe Gelb - ainda nem peguei no novo de Calexico, para não sair da mesma "família") e estou a gostar.
Às vezes apago as luzes da varanda onde tenho o computador e ponho-me a ouvir música. Faz mal aos olhos, claro, mas compensa. "Hey pretty baby, get high with me", canta ela. Vem-me à cabeça a imagem daquela mulher bonita de cabelo ruivo, a sua voz, a guitarra de aço e as baterias musculadas que se não são do John Convertino dos Calexico podiam muito bem ser. E depois entra um violino lá atrás. É perfeito para esta hora, e eu devia estar a dormir. Mas não fui feito para isso.
Talvez seja deste disco. Talvez seja significativamente diferente dos outros. Agora há um piano a fechar a canção. Talvez seja de mim. Talvez eu tenha andado este tempo todo a achar uma coisa quando na realidade era outra. Talvez seja da hora. Só sei que a música da Neko Case me soa ruiva e bonita como ela. E chega.

segunda-feira, maio 15, 2006

Lupe Fiasco

Estive hoje a ler duas entrevistas do Lupe Fiasco, uma à Nobody's Smiling e outra à Pitchfork, ambas com coisas muito interessantes (apesar de a da Pitchfork ser melhor, não só pela minha parcialidade por a Pitchfork ter sido uma das entidades formadoras do meu gosto musical e pela minha admiração pelo Tom Breihan, mas por a outra estar demasiado amadora), que mostram que o Lupe Fiasco é uma lufada de ar-fresco dentro do mundo do hip-hop. Especialmente por causa deste trecho que aqui reproduzo:

Pitchfork: On a smaller level, you've got one song where you're talking about how you didn't like rap, you didn't like that women were degraded, but you liked Too Short, and you'd quote the lyrics back but take out the word bitch. That's something that just about everyone I know who likes rap has done. That's something that I still do, but I've never heard anyone talk about that in a song before.

LF: People have their morals, but morals aren't concrete. People think because I'm a Muslim that I pray five times a day, but you're never going to see that on a day-to-day basis. People fluctuate. To me, that was the most specific way to put it, the best way to be like, "I listen to this music, but it's the most violent music on the planet." But I like it, and to make up for it, I don't say the cuss words. That's how I get away with it. People are hypocritical. That's just human nature. I embrace my hypocrisy. Once you come to grips with who you are and what's in you, and you aren't ashamed of it...[but] people are made to feel ashamed. You start thinking, like, "Is this human nature? That I like certain things, but I don't like certain aspects of certain things? Should I just shun it altogether?" I don't like to degrade women, but I like pornography. So what is that? It's weird, the stuff that we do.


É uma postura com a qual muito me identifico (tirando a parte de ser muçulmano), e mostra porque é que todos vamos adorar (e já adoramos) o Lupe Fiasco este ano. Não é só por ter um flow invejável e um domínio extremo do que está a fazer (a forma como soa confidente e não arrogante em cima dos beats e a pinta e o estilo com que desliza neles como se estivesse a andar de skate), é também por ele ser um de nós. Não é um gangsta, não é misógino, não matou ninguém, não diz que matou ninguém, não tem violência para dar, não tem nada. Depois da rima do Jay-Z no seu "Moment of Clarity", da qual toda a gente falou mesmo apesar de estar por cima de um dos piores beats de sempre, cortesia do acéfalo Eminem, em que dizia que rimaria como o Common ou o Talib Kweli se isso lhe desse dinheiro, as coisas parecem estar realmente a mudar (graças, em muita parte, ao Kanye West que revitalizou a carreira do Common e que, de certa forma, apresentou o mundo a Lupe Fiasco, mesmo sendo ele já quase veterano destas lides). Ninguém se sentirá culpado a dar dinheiro por Food & Liquor como se sentiria se estivesse a comprar o The Chronic do Dr. Dre ou o The Documentary do The Game (senti-me culpado por esta compra, mas ainda consigo dormir à noite porque foi em segunda mão e sei que o dinheiro não foi directamente para ele, péssimo rapper com óptimos beats - mesmo assim não são todos assim tão bons quanto se disse por aí, apesar de haver duas malhas absolutamente delirantes). Ele é uma pessoa a sério, mas não é por ser um skater, é por conseguir aceitar esta dualidade e hipocrisia que é intrinsecamente humana e não ser um monstro (e, mais importante ainda, não querer mostrar que é um monstro, não se orgulhar de ser um monstro, não falar de ser um monstro).

Achados do dia

As colunas que eu usava estragaram-se. Sempre fizeram "pfft...", custaram à volta de 15 € e nunca foram boas. Mas agora fazem "pfft" e "crrrk" e "chnk" e assim. Agora tenho uns daqueles headphones que entram mesmo dentro dos ouvidos, os outros davam-me dores nos mesmos, e uso-os a toda a hora. Uso-os agora para ouvir música no computador e, quando faço a ronda de blogs de mp3, gosto de pensar que estou a ouvir melhor a música que quero ouvir. Talvez não seja verdade, talvez o som fique um pouco abafado (e fica) se estiver demasiado baixo. Mas gosto de pensar que é melhor.

Kite Flying Society - If I Could Spit

Tiraram o nome de uma parte do Rushmore (e eu, como idiota que sou, caio sempre naquela do Wes Anderson de fazer filmes numa realidade próxima da nossa mas ainda assim alternativa, num mundo que não é nosso) e fazem canções normalíssimas. Até quase banais. A voz é um gosto adquirido, não é grande coisa, mas há algo de muito bom, como no primeiro verso há só guitarra acústica e depois entra o glockenspiel e a bateria e o baixo muito esparsos, lá atrás até há um telcado. A letra nem é grande coisa, a melodia é simples, mas há algo aqui que me atrai muito, nem que sejam as pequenas nuances na bateria ou a voz feminina no final do refrão. A outra canção que o tipo do Gorilla Vs. Bear pôs lá também é bem simpática, tem palminhas e sininhos e o teclado é a base de tudo. Blogs como o GvsB têm mil bandas destas por dia, algumas acabam por ser até bem simpáticas, se alguém estiver disposto a procurar por lá. Mas metade não interessa. Conto pelas mãos as bandas destas que me interessaram realmente. I'm From Barcelona e Pants Yell estão lá, e mesmo os Pants Yell só servem para duas canções e mais nada.

Danger Doom - Korndogs

Danger Mouse está cada vez mais famoso e MF Doom não, apesar de também ter estado envolvido em Demon Days dos Gorillaz. Mas ainda não parou, apesar do sucesso de Gnarls Barkley. Este novo tema do meu supervilão colaborativo favorito que envolva o MF Doom é bem bom, apesar de não chegar ao nível de nenhum dos temas do primeiro disco. O beat de DM tem mais importância que a voz de Doom, algo que não acontecia no disco, mas DM continua brincalhão mesmo que tenha agora uma certa seriedade, já não parece tão divertido. A forma como os violinos em pizzicato vão alternando com breaks de bateria e vão dando espaço a flautas e outros violinos é bem boa. Mas é difícil ouvir bem o Doom, talvez seja de não ser uma versão final (não sei se é). "Korndogs for the pickin'."

domingo, maio 14, 2006

Mobb Deep

Temos de pensar porque é que os Mobb Deep são infames. Não é por serem maus como as cobras - são uns falsos do caraças, andaram na universidade, são de classe média e tal -, é por serem maus. "Shook Ones Pt. I" e "Pt. II" o caraças. Não têm estilo, não têm inteligência, raramente têm grandes beats e esta ligação à G-Unit não os ajuda - sinceramente, fora de alguns singles, o que é a G-Unit deu ao mundo? Misoginia - foda-se, qual é a cena da Olivia? Ela tem um tema chamado "Best Friend" ou lá o que é com o 50 Cent, nem quero pensar qual é o conceito deles os dois de "melhores amigos", sinceramente -, violência, parvoíce, péssima música ("Candy Shop" à cabeça) e o Tony Yayo -, pelo que Blood Money é um disco chato. Não que "Outta Control (Remix)" com o 50 Cent não seja uma grande malha, mas não serve de muito. Eles são chatos e não se cansam de dizer "Infamous Mobb". Há beats aceitáveis, mas nenhum deles é suficientemente interessante para ser grande coisa. "Creep", com o 50 Cent, começa por ser mais ou menos, e depois é uma treta porque o que devia ser uma introdução é um loop repetido ad nauseam. E é chato. "Give It To Me", com o Young Buck, é capaz de ser dos melhores temas, com a cena toda indiana. A canção com a Mary J. Blige é aborrecida, nada de especial, apesar de ter algum nível, já farta a cena dos gangstas num flirt com a soul. Os Mobb Deep deviam acabar.

Sofá

Há um vídeo meu de quando tinha 4 ou 5 anos. Estou deitado numa ponta do sofá e o meu irmão na outra. Parece ser sábado ou domingo e está a dar Vamos ao Circo, o programa antigo do Batatinha. O Paco Bandeira está lá e eu canto com ele: "Vamos cantar / cantar com esperança / vamos cantar / cantar não cansa." Estou tremendamente desafinado e não sei cantar. Gostava de pensar que em 14 ou 15 anos isso mudou. Mas não. Estava agora no sofá, acho que até é o mesmo, mas com um estofo diferente, ou talvez não seja, já não é a mesma casa, a ouvir Go-Betweens e "Surfing Magazines" e a parte do "da-da-da-da-da" era cantada por mim e tenho a certeza de que se estivesse alguém a filmar seria exactamente a mesma coisa. Hoje até é domingo e eu continuo sem saber cantar.

Pixies

Acho que já não gosto de Pixies. Não é não gostar, é ter-me fartado. Mas porquê? Analisemos as razões. Vi-os duas vezes. A primeira foi, basicamente, na altura, o melhor concerto que já vi na vida. Porquê? Porque era algo com que sonhava desde os 11 anos, algo que eu nunca pensaria vir a acontecer. Mas aconteceu. Aconteceu e foi muito bom. Não esperava, obviamente, que houvesse uma segunda vez. Mas houve. E o problema deste tipo de reuniões é que, se não houver nada de novo, tem-se a mesma coisa pela segunda vez. A primeira vez era irrepetível, a segunda foi igual. Isso estragou tudo.
Estava lá à frente, não me estava a divertir nada, e por isso vim cá para trás. Aí comecei a divertir-me à força, porque não havia mais nada para fazer e era preciso aproveitar. Mas não teve absolutamente nada a ver com a primeira vez. Suspeito que não haverá uma terceira. Não vai haver uma terceira. Mas porquê? Talvez tenha a ver com o que o Rob Sheffield - com o seu ar de Thurston Moore vai ao That '70s Show - da Rolling Stone uma vez escreveu sobre os Velvet Underground: "We understand this music so well because every corner of it has been absorbed. VU studio goofs have become established sub-genres." Porque já tudo foi absorvido pelo mundo da música e não faz muito sentido estar sempre a repetir a mesma coisa.
Nunca mais peguei nos Pixies depois daquela noite em 2004. Não fazia sentido algum voltar a ouvir aquilo. Se estivesse a passar em algum lado, gostava, obviamente, lembro-me até vagamente de ouvir o Doolittle depois de não ter visto um jogo qualquer do Euro, mas acho que essa foi a última vez que os ouvi. O que é uma pena, porque foram a minha banda favorita para aí dos 11 aos 16 ou 17 anos. Talvez tenha sido a reunião a estragar tudo, não sei. Talvez outras bandas percam com uma reunião, talvez eu desista delas após ver dois concertos de uma reunião. Não sei. Não é não gostar, é não ter necessidade de gostar.

O relógio

Nunca pensávamos que Grant McLennan fosse morrer assim, pois não? Eu pelo menos não pensava. Numa noite de insónias, uma semana depois de Grant McLennan morrer, ponho-me a ouvir "The Clock", de The Friends of Rachel Worth. Uma canção óptima, com um excelente refrão: "Then the clock turns, and it's now, and it's you-ooh-ooh-ooh-ooh." Ainda me lembro de comprar este disco. Lembro-me de comprar muitos discos. Do momento exacto, com quem estava (ou não estava), onde foi, quando foi. Isso não acontece com mp3. Não me lembro de sacar mp3.
Recentemente só tem acontecido comprar discos novos com preços normais (mais de 15 euros) à confiança, sem ouvi-los primeiro em mp3, em dois casos, dois óptimos casos que me tirariam as insónias agora. O que não quer dizer que sejam chatos. O homónimo de Songs of Green Pheasant e 'Sno Angel Like You do Howe Gelb. Nunca fui grande fã do homem, mas da neve (o trocadilho "neve"-"não há") da capa àquela imagem em que está aquele senhor de barba, branco como tudo (acabei de fazer a minha porque não conseguia dormir) com um coro gospel por detrás e outro tipo branco de óculos de massa que é provavelmente o produtor. E a música também. Só falha na contracapa, com o tracejado à volta dele na praia. A voz dele é complementada de forma perfeita pelas vozes do coro. As canções são boas, simples, com guitarras bonitas, elementos simples, esparsos, e a verborreia típica de um contador de histórias americano com barba por fazer e uma camisa, só que sem as histórias. E até há um riso do coro, daquelas mulheres negras entroncadas que cantam "Paradise, Pa-ra-dise" quando Howe Gelb diz "Welcome to paradise".
E parece estar a vir o sono, ao som do Howe Gelb. Talvez não. Lembro-me perfeitamente de comprar este disco. Foi há pouco mais de um mês, por isso tenho desculpa. Mas continuo a lembrar-me de comprar The Friends of Rachel Worth, foi na primeira vez que fui à Carbono. Mas o relógio continua a "virar", e é agora, mas ainda não és tu. Porque não há um "tu".

Há o Howe Gelb e aquela gente toda. E podia ser muito pior.

sábado, maio 13, 2006

Memórias Musicais

Ontem, na ZDB, tinha à minha frente Rob Lowe, não o actor, mas o multi-instrumentista que é líder dos 90 Day Men, tem o projecto a solo Lichens e já tocou com os TV on the Radio (a melhor banda rock da actualidade). Ele foi-nos apresentado, a mim e a dois amigos, e perguntou-nos qual era o nosso disco de 90 Day Men favorito. Nunca tive grande afecto pelos 90 Day Men, lembro-me vagamente daquele vídeo que passava no Sol Música com os discos favoritos das pessoas, e, quando ele me perguntou, lembrei-me de estar sentado há dois anos num café do Bairro Alto que encontramos quando subimos para o Conservatório. Estava à espera de uma aula de trompete (era pura coincidência ser ao pé do Conservatório), porque era algo de que gostava, mesmo sabendo que não era muito bom e não tinha paciência para estudar o que era preciso para ser minimamente decente (pouco tempo depois desisti).
Estava a ouvir Panda Park, aquele que é ainda hoje o mais recente disco dos 90 Day Men. E lembro-me perfeitamente de pensar para mim próprio que aquilo era mesmo rock progressivo porque a voz era gloriosamente má. Não me lembro, contudo, de ter ouvido o disco depois disso. Um dia tenho de lá voltar. Mas voltemos à porta da ZDB. Éramos três e eu estava no meio e eles estavam a falar-lhe de como gostavam da banda dele, e ele começou a apontar para nós a pedir-nos os nossos discos favoritos dos 90 Day Men. Já tinha pedido a um e apontou para mim. Apressei-me a pensar nisto tudo, e, em centésimos de segundos, cheguei à resposta: Panda Park. E agora tenho o piano da primeira faixa da cabeça, apesar de não ouvir aquilo há mais de dois anos. Depois, e apesar da simpatia do homem, adormeci durante o concerto dele. Mas a culpa não foi bem dele, foi das cadeiras, de estar na primeira fila e de ter dormido pouco. Ele cantava e fazia loops com a sua voz, fazendo camadas de drones vocais que depois complementava com sinos. Depois tocava guitarra de 12 cordas só com 6 cordas, donde saíram alguns dos sons mais bonitos da noite (daí e dos xilofones dos Musgo).
Há bocado estava a ouvir Secret Rhythms 2, de Jaki Liebezeit e Burnt Friedman, e fui instantaneamente transportado (não foi bem instantaneamente, foi algures depois de "The Librarian", a única canção do disco, pelo menos a única cantada, ainda por cima pela voz de David Sylvian) para os corredores do Atrium Saldanha há quatro anos. Um amigo (curiosamente, agora porteiro da ZDB) tinha-me gravado Ramda, dos Mice Parade quando os Mice Parade ainda não eram uma banda e ainda não eram chatos e eram só o projecto do Adam Pierce. Ia todas as segundas-feiras ao cinema sozinho, ao Cine-Estúdio 222, só porque sim, não tinha mais nada para fazer e ia à confiança, como ainda faço na ZDB, metia-me no autocarro às 10 para as 4 da tarde, mas, sendo cinema às 5, não eram raras as vezes em que chegava adiantado (ainda não havia aquele caos horrível de trânsito nojento no Marquês de Pombal que me faz querer matar alguém praticamente todos os dias). Assim, comprava bilhete, não fosse o filme esgotar (nunca esgotava, éramos sempre 4 ou 5 na sala) e ia para o Atrium Saldanha. E não sei porquê, mas uma vez fui com Ramda no leitor de CDs que tinha recebido nos anos/natal três anos antes e que estaria muito próximo de cair ao chão e nunca mais funcionar e andei pelos corredores do Atrium Saldanha. Ia lá porque havia uma loja de discos, mas não me lembro de alguma vez ter comprado lá alguma coisa. Mas que ia, ia. E sempre que vou ao Atrium Saldanha ouço na minha cabeça Ramda dos Mice Parade. Como ouvi quando ouvi Secret Rhythms 2, mesmo há instantes, apesar de não ouvir aquele disco de Mice Parade há quatro anos.