domingo, julho 30, 2006

TV On The Radio

Lembro-me perfeitamente da primeira vez que ouvi (com atenção) "Wolf Like Me", do último álbum dos TV On The Radio. Tinha gostado, na altura do Desperate Youth, Blood Thirsty Babes, moderadamente do disco e do Young Liars que veio antes. Com o tempo, veio a crescer. Antes era só "Ambulance", que cedo se tornou umas das minhas canções favoritas de sempre. Nessa noite, estava eu no Incógnito, nem sei bem porquê (tinha ido ao Lounge ver um amigo meu tocar e só tinha chegado no fim e não queria desperdiçar uma viagem de táxi só para ver o final de um amigo meu a tocar), e a DJ passou (disse que era para mim), o tema. Não pensei muito nisso, pareceu-me só mais ou menos, só depois é que veio a revelar-se como uma malha enorme, que mete a um canto quaisquer revivalistas do rock. Como basicamente todas as canções dos TV On The Radio, é uma canção simples, com algumas partes diferentes, mas com uma produção que dá a volta a isso tudo (e a parte final de "We're howlin' forever ooh-ooh", com a tipa dos Celebration, é deliciosa). Ainda não tinha ouvido o Return to Cookie Mountain que, pouco mais de um mês depois, já se tinha tornado num dos meus discos favoritos do ano. Mas ainda não cheguei aí.
Essa foi uma boa noite. Apresentaram-me alguém importante nessa noite (na verdade, reaparesentaram-ma, já a tinha conhecido antes). Foi bom. E hei sempre de associar os TV On The Radio a isso, não só por essa pessoa também ser fã e partilhar comigo o fascínio por "A Method", que se tornou, rapidamente, uma das minhas canções favoritas de sempre. O meu pai está sempre a chatear-me porque, para ele, os Wilco do A Ghost is Born são os Beatles e os TV On The Radio dessa canção, quase só a cappella e percussão (uma progressão de "Ambulance", do disco anterior, outra das minhas canções favoritas, uma das melhores canções de todo o sempre), com um assobio delicioso são os Beach Boys. O meu pai é assim. Para ele, os Pavement são "genéricos". Gosto muito dele, mas pronto. E depois tento provar que não, que os TV On The Radio não são os Beach Boys, mas logo que começa a música ele diz "preciso de dizer alguma coisa?" e assim. São coisas da vida.
Os TV On The Radio são enormes porque soam enormes, épicos, deviam ser muito maiores do que realmente são. Mas soam como se fossem, e, no final de contas, deve ser isso que mais interessa. É música urbana e sofisticada, mas sempre com uma produção que remete para a decadência da sociedade industrial, para o encontrar beleza dentro de um cenário pós-apocalíptico, de encontrar magia num mundo de betão e assim. Claro, David Andrew Sitek é um produtor talentoso e perfeccionista, mas há sempre ali qualquer coisa de selvagem e completamente fodida (tradução do inglês "fucked-up", que não quer dizer a mesma coisa). Os TV On The Radio são a melhor banda de pós-punk da actualidade, por muitas razões, sendo a maior delas não quererem soar ao que soavam as bandas de pós-punk canónicas. E isso é muito mais do que posso dizer de muitas outras bandas de hoje em dia. Têm um dos meus discos do ano, duas das minhas canções de sempre, e uma pessoa de quem gosto muito. E isso chega-me. E, mesmo que passe a vida a implicar com aquilo, valeu a pena ir ao Incógnito naquela noite.

domingo, julho 23, 2006

De alguma forma, sem fazer sentido

De alguma forma voltava ontem do Lisboa Soundz e, numa avenida 24 de Julho cheia de carros, ouvia o Yankee Hotel Foxtrot dos Wilco. Não sei quando é que se tornou o meu disco favorito de sempre, mas tornou-se. De alguma forma andava por aquela avenida absolutamente impossível, cheia até mais não, e procurava um táxi. E o Jeff Tweedy cantava. Como cantou dezenas e dezenas de vezes. Acho que, desde 2002, quando um 10/10 da Pitchfork me fez dar atenção ao disco, nunca o abandonei, apesar de julgar só o ter compreendido realmente a partir de 2004. Lembro-me, por exemplo, de ouvi-lo em jantares de amigos onde não tinha propriamente nada para dizer, como as canções soam tão melhores assim, à espera de boleia para voltar para casa. Ou num campo de futebol manhoso no inverno (quando anoitece às 6 da tarde ou pouco antes) numa terreola do Oeste que me é querida.
Nunca fui a Chicago, mas, sei lá, se calhar o disco tem alguma coisa a ver com isso. Ou pode mesmo não ter, sei que imagino sempre uma cidade grande quando ouço isto ou duas das minhas canções favoritas do Summerteeth: "How to Fight Loneliness" e "Via Chicago". Não tenho carta de condução, nem sequer sei conduzir, mas de alguma forma imagino alguém a guiar pelo estado do Illinois com aquilo. E, de alguma forma, aquilo faz tanto sentido aqui em Portugal, em Lisboa.
Acho, de alguma forma, o 'Sno Angel Like You do Howe Gelb é dos meus discos do ano. Comprei-o há uns meses, sem ter ouvido antes, e adoro-o. Nunca fui fã de Giant Sand e acho que a culpa do meu amor pelo disco é do coro gospel que o Gelb desencantou em Ottawa. De alguma forma conseguiram pôr o Howe Gelb a abrir praticamente o Lisboa Soundz, e trazer com ele o coro gospel. The Voices of Praise Gospel Choir. Ali, à tarde, com o sol a bater, fez, de alguma forma, tanto sentido. Ele trazia uma camisa preta e um chapéu e deve ser o homem com mais pinta de sempre. Quando for grande gostava de ser assim.
A voz dele é sempre igual, monótona, mas de alguma forma funciona tão bem ao lado do coro gospel. Isso e a sua guitarra dá uma cor especial a tudo, bem como a dos músicos convidados (todos de Ottawa, acho eu). É um tipo carismático, as canções são enormes, e ele sabe como interpretá-las e mostrar o que elas valem. Diz piadas, comunica, etc.
Lembro-me, de alguma forma, de ter gostado de Amorino em 2003. Mas lembro-me que o disco da Isobel Campbell deste ano é uma chatice pegada. Também o foi o concerto dela. De alguma forma, diziam-me - pessoas cuja opinião eu prezo muito, mesmo - que os Los Hermanos são bons. Juntam mpb e indie rock e fazem-no às vezes bem, outras menos bem. Gosto bastante ao vivo, é simpático e tal, mas não me parece que vá pegar muitas vezes neles ou que tenham muita coisa memorável. Contudo, respeito muito essas pessoas e vou tentar mais vezes. Pareceu-me bem, sinceramente.
E continuar com o "de alguma forma" torna-se tão cansativo para mim quanto para quem me ler, por isso não vou fazê-lo. Até é uma coisa bem chata, acho eu, como é a auto-consciência disso e o discutir um texto dentro do próprio texto. Mas é como sai e não há nada a fazer. Não vou dedicar muito tempo aos She Wants Revenge e os Dirty Pretty Things, porque isto costuma ser sobre as coisas de que gosto e não sobre as coisas que odeio intensamente (os DPT são sem o "Intensamente", os SWR são, basicamente, um novo ódio de estimação).
Algures entre os Dirty Pretty Things e os Strokes encontrei um alcoolizado Howe Gelb a passear pelo recinto. Achei por bem dizer-lhe que tinha adorado o concerto e o disco e que o coro funcionava mesmo bem. "Oh yeah, they're amazing", dizia-me ele, parecendo estar tão impressionado com o coro quanto eu.
E então ia eu pela rua à procura de um táxi ao som do meu disco favorito de sempre e a pensar basicamente no que se segue. Há uns 4/5 anos, quando descobri Is This It?, não conhecia nenhuma das pessoas com quem partilhei, de uma forma ou de outra, o dia de ontem. E algumas dessas pessoas são das minhas pessoas favoritas de todo o sempre, gente que espero conhecer e continuar a estimar ao longo da minha vida toda. De alguma forma sei que nunca me fartarei dessas pessoas, como sei que nunca me fartarei do Yankee Hotel Foxtrot. E, enquanto os Strokes tocavam da mesma forma que tocam praticamente todas as noites - suponho eu - aquelas canções, tinha pensado exactamente no mesmo. Claro que as canções do segundo e do terceiro disco não são tão boas, apenas duas, três ou quatro é que chegam aos calcanhares delas, ao vivo. Mas os Strokes conseguem soar como se fossem a maior banda do mundo, durante uma hora e tal, uma hora e meia, será? Não sei. Sei que foram a banda que, de alguma forma, me fez gostar primeiro da Christina Aguilera (os mash-ups geniais, cujo nome, "A Stroke of Genius", diz tudo) e que me deram imenso. São enormes, mesmo que se armem demasiado em guitar heros que não são no último disco, ainda valem a pena.
E pensava nisto à procura de um táxi e depois quando apanhei o táxi e tive de falar com o taxista (os taxistas tanto podem ser as melhores como as piores pessoas do mundo, ontem tive sorte) sobre os perigos da estrada e as pessoas que bebiam e não bebiam e todas essas coisas. Tirei um dos headphones e, de um lado ouvia "Radio Cure", e, do outro, "Crazy Little Thing Called Love" dos Queen no rádio do carro. E, lá no meio, a voz do taxista. E, de alguma forma, fazia sentido.

sábado, julho 15, 2006

Just keep on struttin'

Para o Rui.

No outro dia fui ao lançamento do disco de Double D Force à Flur. Tarde bem passada, com D-Mars nos pratos (lembro-me, por exemplo, do Kurtis Blow e dos Whispers), à beira-rio (o Tejo é tão bonito ali daquele sítio). Pedi ao Rui Miguel Abreu que me recomendasse um disco, porque estava com 10 € no bolso e não concebo uma ida a uma loja de discos sem comprar nada (hoje comprei o Roots do Curtis Mayfield). Procurou e procurou e deu-me para a mão um disco dos Meters e um do David Axelrod. Estava numa de Meters e trouxe os Meters. E ele pediu-me um relatório completo. E aqui vai.
Como não sou grande conhecedor da obra deles, pensava, através de um artigo que li na MOJO de um mês qualquer deste ano, que eram apenas uma banda de funk instrumental. Para isso também ajudou o loop do "1-Thing" da Amerie, a guitarra mais perfeita de sempre e um dos melhores usos de samples de que há memória, numa das melhores malhas deste milénio, uma daquelas canções enormes às quais é impossível fugir. Mas aqui há canções e quase-canções. Chamo "quase-canções" a coisas como "Struttin'" ou "The Handclapping Song", que, respectivamente, têm vozes a imitar galinhas entre palavras de ordem como "Just keep on struttin'" e "Clap your hands now". Esta "Handclapping Song" deu-me aquele prazer que há sempre quando se descobre inadvertidamente um sample usado numa canção qualquer de hip-hop. Era, obviamente, "Clap Your Hands" dos A Tribe Called Quest, do Midnight Marauders. É das coisas de que mais gosto nessa cultura do sampling, a forma como se recontextualiza certas coisas, se parte do antigo para criar o novo, mesmo que não se modifique assim tanto o antigo (e aqui modifica-se), só uma recontextualização traz tudo. Exemplos disso são, por exemplo, "Eye Know" dos De La Soul, uma das minhas canções favoritas de sempre, ou "The Light" do Common, em que o Jay Dee corta e edita uma canção do Bobby Caldwell e cria algo de novo, mesmo que o Common não estivesse lá e só existisse o refrão e a base instrumental que foi limpa e à qual foi adicionada um sintetizador e outros pormenores interessantíssimos. Esse exemplo é paradigmático do criar algo novo do antigo, como retirar de uma canção um verso e torná-lo um refrão, recontextualizá-la para dizer algo de novo.
Mas não é isso que interessa. Os Meters eram uma banda de topo, óptimos músicos, cheios de funk cru e puro e duro, mesmo que não fossem propriamente os melhores escritores de canções de sempre. Passei a "Handclapping Song" na sexta-feira passada no LEFT e não há nada melhor que tentar acompanhar aquelas palminhas, aquele riff de guitarra, e aquelas vozes. Por pouco menos de 10 €, numa tarde solarenga de sexta-feira, à beira-rio, uma lição de história divertida. Ou talvez nada disto faça sentido, mas devia isto ao Rui.

Parvoíces sem sentido sobre Neutral Milk Hotel com a caneta sem tinta e sem editor de imagens

Baseado em factos verídicos

quarta-feira, julho 12, 2006

Inglaterra

Em 19 anos de vida, nunca vi um concerto fora de Portugal. Vi, uma vez, num jardim em Cambridge, os Counterfeit Stones, uma banda de versões dos Stones que, pelos vistos, é muito boa, já que apareceu no Biography Channel ou no Odisseia num documentário sobre os originais. Portugal só vai receber os Rolling Clones, o que é uma pena. Ou então não é pena nenhuma e ainda bem que só recebe uns deles. Porque não há qualquer propósito em haver bandas de versões de bandas que ainda por cima ainda existem.
Mas queria ter ido a um concerto. Li, num ou dois sites, que o Tony Allen ia tocar a um clube em Brixton quando eu estava em Londres. Mas não deu para o apanhar, porque não fazia ideia de onde era o clube. Perguntei a todos os seguranças de discotecas que vi, e nenhum deles tinha sequer ouvido falar daquilo. É bom ver que os seguranças de discotecas são as pessoas mais simpáticas do mundo quando não queremos entrar nelas. Apanhei, contudo, um espectáculo bem diferente.
Milhares de putos com ténis Vans axadrezados saíam da Brixton Academy, vindos de um concerto dos Lostprophets. Eu, que vi os Lostprophets há uns anos numa Deconstruction Tour, tive uma vontade estranha e semi-incontrolável (apesar de tudo, não cheguei a fazê-lo) de gritar que os Lostprophets eram horríveis e me aborreceram de morte quando os vi há uns anos. Havia umas 20 ou 30 t-shirts diferentes deles, todas compradas na própria noite por milhares de putos felizes por terem ido ver a sua banda favorita. Há que dizer que os Lostprophets agora são iguaizinhos aos My Chemical Romance, aos Fall Out Boy ou aos AFI de agora, e estão na frente da revolução emo para quem nunca ouviu Embrace, Rites of Spring, nem sequer Sunny Day Real Estate ou Get Up Kids. E foi este escalão sub-16 que transformou aquilo que era para meia dúzia de alienados e pessoas diferentes em algo tremendamente mainstream. Até bullies com wife-beaters e raparigas giras de peitos avantajados havia, a encher o metro com roupa preta e assim. Ou seja, estes não são os putos que levam porrada, são os putos que dão porrada. É uma mudança radical, mas foi o que aconteceu.
Mas, horas antes, aconteceu uma coisa estranha. Eu, que nunca dei nada pelos Yeah Yeah Yeahs, dei por mim a gostar deles. Não sei porquê, talvez tenha visto o Fever to Tell em promoção, ou assim, fiquei com o refrão de “Maps” na cabeça. E aquilo irritava-me antes, agora não me irrita, de todo, e fiquei com uma vontade tão incontrolável de ouvir aquilo que comprei o raio do disco, se bem que dois dias depois. Deu também para comprar meia dúzia de livros, inclusivamente o Can’t Stop Won’t Stop do Jeff Chang que já comecei a ler (ou melhor, só li mais ou menos a introdução do Kool Herc), e dois da colecção 33 1/3, sobre o In The Aeroplane Over The Sea dos Neutral Milk Hotel (que já li, de tão pequeno que é) e o Meat is Murder dos Smiths (escrito pelo Joe Pernice dos Pernice Brothers).
Pareceu-me uma colecção interessante, mesmo que demasiado bajulatória para os discos em questão. Nenhum disco é perfeito, ou é? Todos os meus discos favoritos têm coisas das quais não gosto. Por exemplo, acho que o Yankee Hotel Foxtrot dos Wilco ganharia ainda mais se não tivesse a secção de metais no final do “I’m The Man Who Loves You”, acho que o The Queen is Dead dos Smiths ganharia muito mais se tivesse cordas a sério e não sintetizadas, se não tivesse aquele final parvo do “Vicar in a Tutu”, como quem não quer acabar aquilo e se não tivesse aquela voz do Morrissey com o pitch mudado no refrão de “Bigmouth Strikes Again”. Curiosamente, não me lembro de nada de que não goste no In The Aeroplane Over the Sea, mas pronto. É bom saber como o disco foi feito e produzido, e como é que o Jeff Mangum passou de génio a recluso, mas sem querer seguir o Syd Barrett (que, entretanto, morreu e eu não sabia), mas sim o Robert Wyatt, na parte de voltar 10 anos depois. Ora, 2007 está aí ao virar da esquina, e a melhor pior voz de sempre podia bem voltar.
Perdi o Tony Allen, ganhei os putos emo, os livros, os discos, as casas sempre iguais no campo inglês, aqueles tijolos cor-de-laranja que eu aprendi a não odiar e a achar extremamente confortáveis e, especialmente, o sorriso da minha bisavó que, aos 97 anos, ainda é a melhor pessoa de todo o sempre.