quarta-feira, julho 12, 2006

Inglaterra

Em 19 anos de vida, nunca vi um concerto fora de Portugal. Vi, uma vez, num jardim em Cambridge, os Counterfeit Stones, uma banda de versões dos Stones que, pelos vistos, é muito boa, já que apareceu no Biography Channel ou no Odisseia num documentário sobre os originais. Portugal só vai receber os Rolling Clones, o que é uma pena. Ou então não é pena nenhuma e ainda bem que só recebe uns deles. Porque não há qualquer propósito em haver bandas de versões de bandas que ainda por cima ainda existem.
Mas queria ter ido a um concerto. Li, num ou dois sites, que o Tony Allen ia tocar a um clube em Brixton quando eu estava em Londres. Mas não deu para o apanhar, porque não fazia ideia de onde era o clube. Perguntei a todos os seguranças de discotecas que vi, e nenhum deles tinha sequer ouvido falar daquilo. É bom ver que os seguranças de discotecas são as pessoas mais simpáticas do mundo quando não queremos entrar nelas. Apanhei, contudo, um espectáculo bem diferente.
Milhares de putos com ténis Vans axadrezados saíam da Brixton Academy, vindos de um concerto dos Lostprophets. Eu, que vi os Lostprophets há uns anos numa Deconstruction Tour, tive uma vontade estranha e semi-incontrolável (apesar de tudo, não cheguei a fazê-lo) de gritar que os Lostprophets eram horríveis e me aborreceram de morte quando os vi há uns anos. Havia umas 20 ou 30 t-shirts diferentes deles, todas compradas na própria noite por milhares de putos felizes por terem ido ver a sua banda favorita. Há que dizer que os Lostprophets agora são iguaizinhos aos My Chemical Romance, aos Fall Out Boy ou aos AFI de agora, e estão na frente da revolução emo para quem nunca ouviu Embrace, Rites of Spring, nem sequer Sunny Day Real Estate ou Get Up Kids. E foi este escalão sub-16 que transformou aquilo que era para meia dúzia de alienados e pessoas diferentes em algo tremendamente mainstream. Até bullies com wife-beaters e raparigas giras de peitos avantajados havia, a encher o metro com roupa preta e assim. Ou seja, estes não são os putos que levam porrada, são os putos que dão porrada. É uma mudança radical, mas foi o que aconteceu.
Mas, horas antes, aconteceu uma coisa estranha. Eu, que nunca dei nada pelos Yeah Yeah Yeahs, dei por mim a gostar deles. Não sei porquê, talvez tenha visto o Fever to Tell em promoção, ou assim, fiquei com o refrão de “Maps” na cabeça. E aquilo irritava-me antes, agora não me irrita, de todo, e fiquei com uma vontade tão incontrolável de ouvir aquilo que comprei o raio do disco, se bem que dois dias depois. Deu também para comprar meia dúzia de livros, inclusivamente o Can’t Stop Won’t Stop do Jeff Chang que já comecei a ler (ou melhor, só li mais ou menos a introdução do Kool Herc), e dois da colecção 33 1/3, sobre o In The Aeroplane Over The Sea dos Neutral Milk Hotel (que já li, de tão pequeno que é) e o Meat is Murder dos Smiths (escrito pelo Joe Pernice dos Pernice Brothers).
Pareceu-me uma colecção interessante, mesmo que demasiado bajulatória para os discos em questão. Nenhum disco é perfeito, ou é? Todos os meus discos favoritos têm coisas das quais não gosto. Por exemplo, acho que o Yankee Hotel Foxtrot dos Wilco ganharia ainda mais se não tivesse a secção de metais no final do “I’m The Man Who Loves You”, acho que o The Queen is Dead dos Smiths ganharia muito mais se tivesse cordas a sério e não sintetizadas, se não tivesse aquele final parvo do “Vicar in a Tutu”, como quem não quer acabar aquilo e se não tivesse aquela voz do Morrissey com o pitch mudado no refrão de “Bigmouth Strikes Again”. Curiosamente, não me lembro de nada de que não goste no In The Aeroplane Over the Sea, mas pronto. É bom saber como o disco foi feito e produzido, e como é que o Jeff Mangum passou de génio a recluso, mas sem querer seguir o Syd Barrett (que, entretanto, morreu e eu não sabia), mas sim o Robert Wyatt, na parte de voltar 10 anos depois. Ora, 2007 está aí ao virar da esquina, e a melhor pior voz de sempre podia bem voltar.
Perdi o Tony Allen, ganhei os putos emo, os livros, os discos, as casas sempre iguais no campo inglês, aqueles tijolos cor-de-laranja que eu aprendi a não odiar e a achar extremamente confortáveis e, especialmente, o sorriso da minha bisavó que, aos 97 anos, ainda é a melhor pessoa de todo o sempre.

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