segunda-feira, maio 15, 2006

Lupe Fiasco

Estive hoje a ler duas entrevistas do Lupe Fiasco, uma à Nobody's Smiling e outra à Pitchfork, ambas com coisas muito interessantes (apesar de a da Pitchfork ser melhor, não só pela minha parcialidade por a Pitchfork ter sido uma das entidades formadoras do meu gosto musical e pela minha admiração pelo Tom Breihan, mas por a outra estar demasiado amadora), que mostram que o Lupe Fiasco é uma lufada de ar-fresco dentro do mundo do hip-hop. Especialmente por causa deste trecho que aqui reproduzo:

Pitchfork: On a smaller level, you've got one song where you're talking about how you didn't like rap, you didn't like that women were degraded, but you liked Too Short, and you'd quote the lyrics back but take out the word bitch. That's something that just about everyone I know who likes rap has done. That's something that I still do, but I've never heard anyone talk about that in a song before.

LF: People have their morals, but morals aren't concrete. People think because I'm a Muslim that I pray five times a day, but you're never going to see that on a day-to-day basis. People fluctuate. To me, that was the most specific way to put it, the best way to be like, "I listen to this music, but it's the most violent music on the planet." But I like it, and to make up for it, I don't say the cuss words. That's how I get away with it. People are hypocritical. That's just human nature. I embrace my hypocrisy. Once you come to grips with who you are and what's in you, and you aren't ashamed of it...[but] people are made to feel ashamed. You start thinking, like, "Is this human nature? That I like certain things, but I don't like certain aspects of certain things? Should I just shun it altogether?" I don't like to degrade women, but I like pornography. So what is that? It's weird, the stuff that we do.


É uma postura com a qual muito me identifico (tirando a parte de ser muçulmano), e mostra porque é que todos vamos adorar (e já adoramos) o Lupe Fiasco este ano. Não é só por ter um flow invejável e um domínio extremo do que está a fazer (a forma como soa confidente e não arrogante em cima dos beats e a pinta e o estilo com que desliza neles como se estivesse a andar de skate), é também por ele ser um de nós. Não é um gangsta, não é misógino, não matou ninguém, não diz que matou ninguém, não tem violência para dar, não tem nada. Depois da rima do Jay-Z no seu "Moment of Clarity", da qual toda a gente falou mesmo apesar de estar por cima de um dos piores beats de sempre, cortesia do acéfalo Eminem, em que dizia que rimaria como o Common ou o Talib Kweli se isso lhe desse dinheiro, as coisas parecem estar realmente a mudar (graças, em muita parte, ao Kanye West que revitalizou a carreira do Common e que, de certa forma, apresentou o mundo a Lupe Fiasco, mesmo sendo ele já quase veterano destas lides). Ninguém se sentirá culpado a dar dinheiro por Food & Liquor como se sentiria se estivesse a comprar o The Chronic do Dr. Dre ou o The Documentary do The Game (senti-me culpado por esta compra, mas ainda consigo dormir à noite porque foi em segunda mão e sei que o dinheiro não foi directamente para ele, péssimo rapper com óptimos beats - mesmo assim não são todos assim tão bons quanto se disse por aí, apesar de haver duas malhas absolutamente delirantes). Ele é uma pessoa a sério, mas não é por ser um skater, é por conseguir aceitar esta dualidade e hipocrisia que é intrinsecamente humana e não ser um monstro (e, mais importante ainda, não querer mostrar que é um monstro, não se orgulhar de ser um monstro, não falar de ser um monstro).

1 comentário:

O Puto disse...

O hip hop é dos géneros mais versáteis e permeáveis que conheço, apesar de essa versatilidade resultar mal muitas vezes.