terça-feira, maio 16, 2006

Common

Há um tipo em duas das minhas turmas que parece ter parado nos anos 90. Não, não veste camisas de flanela, usa calças de ganga com a cintura levantada, t-shirts dentro das mesmas, ténis Nike daqueles feios e pretos (ou pelo menos imagino assim), tem um estojo da NBA, cor-de-laranja e tudo, com uma bola de basket que sai e tal, tem cabelo desgrenhado e barba mal tratada, é um verdadeiro nerd dos anos 90. Gosto de pensar que ele é feliz assim, interrompendo a professora para mostrar que leu o que era preciso, que sabe, muitas vezes prolongando a aula, até deve ter alguns amigos, não sei.
O Common, nos seus dois últimos discos, Electric Circus e Be, tem convidados bons e convidados maus. Entre os convidados bons encontra-se gente como Cee-Lo Green, Jill Scott, Laetitia Sadler (Stereolab), Jay Dee, ?uestlove, Kanye West, etc., e entre os convidados maus encontra-se gente como o tipo dos P.O.D. ou o John Mayer. E, algures lá no meio, colaborou com Fort Minor, o projecto de Mike Shinoda dos Linkin Park a solo, num dos piores singles de todos os tempos. Gosto de pensar que ele é feliz assim. Temos um óptimo artista entre gente muito má. Se calhar o outro tipo da minha turma também é feliz assim, lá no fundo, por baixo de tudo aquilo que mostra, também é uma pessoa simpática, com bom fundo, e um tipo cheio de cérebro.
Estas manchas no curriculum do Common são aquilo que faz com que, por exemplo, Electric Circus não seja um disco excelente. É um disco muito bom, tem uma das minhas canções favoritas de sempre, "Between Me, You and Liberation", mas depois tem uma faixa com o tipo dos P.O.D. e estraga tudo. E, por exemplo, o beat da faixa com a Laetitia Sadler, até chegar ao refrão, é uma coisa de fugir. Isso e é demasiado grande.
Em 2002, quando o disco saiu, andava eu a descobrir os A Tribe Called Quest, a conhecer The Low End Theory, ainda hoje um dos meus discos favoritos, e apressei-me a formar uma opinião má sobre o Common. Não sei porquê, a primeira vez que o ouvi soou-me a um Q-Tip menos bom. Tive de esperar até 2005 para perceber quem era o senhor, primeiro com "The Corner", o single com o Kanye West e os Last Poets, e depois com Be. Como é óbvio, a faixa com John Mayer não é um fracasso total, não se compara ao nerd dos anos 90 da minha turma, especialmente porque ele se limita a cantar "Go", o que salva tudo. Mas o Common gosta de nu-metal e espero sinceramente que seja feliz assim, apesar de dizer muito que espero que seja porque precisa de dinheiro.
"Between Me, You And Liberation" tem uma das melhores prestações vocais de Cee-Lo Green de sempre, um refrão simples, onde ele soa contido e não louco como sempre (tive uma conversa no outro dia em que diziam que o Cee-Lo não se sabia conter, que o Dwele era bem melhor por causa disso, e dei este tema como exemplo da sua versatilidade). É a história de uma mulher que se liberta através da sua sexualidade, tendo sido violada em criança, e a história de Common descobrir e aceitar, como um MC famoso pela sua homofobia, a homossexualidade de um dos seus melhores amigos, deixando para trás a homofobia. "Sometimes I wish a / careless whisper / Serenade her / without speaking a word / Because of you I'm stronger / I'm afraid no longer / I feel so alive lately / You have liberated me", acho que é este o refrão. E depois a produção espacial pode soar estranha, mas nunca retira à canção a sua carga emocional e o seu poder.
E esqueço sempre o que acontece na primeira parte do disco, esqueço-me do tipo dos P.O.D., mas espero sempre sinceramente que o Common seja feliz assim, gostando de nu-metal, uma das maiores aberrações de sempre.

1 comentário:

O Puto disse...

Um mau convidado não implica necessariamente um mau resultado. De repente, lembro-me do tipo dos Marron 5 com o Kanye West, no último disco deste.
Achei curiosa e insuspeita, no mínimo, a participação da Laetitia Sadier.