quarta-feira, junho 21, 2006

Desilusão do ano

O meu coração está dividido. Por um lado, gostei mesmo dos últimos discos dos Belle & Sebastian. Dos últimos dois, mesmo o novo sem a magia do Trevor Horn. Já o tinha dito por aqui. Tinha mesmo vontade de vê-los ao vivo, o Tom Breihan diz que são óptimos ao vivo e se tornaram realmente bons a tocar aquelas canções do disco, com bons instrumentistas e profissionais qb. Mas o Tom Breihan vive em Nova Iorque, uma cidade em que tudo se passa todas as semanas, e onde não se põe o problema que agora enfrento e que dá a volta à minha jovem cabeça.
Longe vão os tempos em que Lisboa era uma "Ghost Town", como os Specials tão eloquentemente disseram nos anos 80. Para dizer a verdade, nunca os vivi. Comecei a ir a concertos regularmente e por vontade própria aos 13 anos. Desde essa idade, e já vão seis anos, nunca me pude queixar muito de bandas que não vinham cá. Agora ainda menos. Claro que não estamos em Nova Iorque, nem sequer em Londres ou em Barcelona, mas as coisas vão acontecendo com mais ou menos atrasos. Nem sequer vou falar das vozes que se apressaram a tratar o concerto dos Arcade Fire em Paredes de Coura como algo que aconteceu imediatamente em Portugal, dentro do tempo e tal, quando Funeral, quer se queira, quer não, saiu em 2004 e não em 2005 e toda a histeria gerada à volta dele em blogs de mp3 e em webzines e na imprensa americana aconteceu em 2004. Ignorar isso é ignorar que ninguém espera pelas datas de edição europeia, e ignorar a imprensa estrangeira e, basicamente, ser muito cego e viver num casulo. Mas em Nova Iorque não há problemas se o Kanye West e os Belle & Sebastian derem um concerto na mesma noite. Provavelmente há um novo concerto duas semanas depois e ninguém se chateia.
Os Belle & Sebastian já vieram cá há uns anos ao Sudoeste, mas ninguém me convidou para ir e convidaram o meu irmão. Nunca mais o perdoei, ainda por cima nem teve de acampar e aposto que dormiu normalmente, ao contrário de mim no ano passado. Ele viu-os, mas na altura Dear Catastrophe Waitress e o funk choninhas ainda não eram uma realidade. Agora já são uma realidade ultrapassada e eu estava mesmo excitado por vê-los. Mas na Mojo portuguesa, a revista Blitz, que lida maioritariamente com artigos de fundo e música do passado (ou pelo menos de protagonistas do passado, esta primeira capa tem os Rolling Stones), e que está muito bem conseguida desse ponto de vista, veio a notícia: Kanye West vem a Portugal no dia 17 de Julho.
Kanye West nunca esteve cá, não vende assim tantos discos em Portugal, mas algo me diz que esgotará o sítio (onde quer que seja) onde actuará. Mesmo que duas experiências me digam o contrário (a minha primeira prestação como DJ alcoolizado num parque de estacionamento subterrâneo ao pé da antiga FIL na minha gala de finalistas, em 2004, onde "Slow Jamz" foi recebido como se fosse um tema dos Wolf Eyes ou assim, com total desprezo das pessoas; o mesmo tema, dois anos depois, no carnaval, para meia dúzia de tipas que lá foram jantar a casa que, até essa altura, não se queixaram de nenhuma das produções dos Neptunes, da Missy Elliott, nem da M.I.A.), o que me leva a pensar que os adolescentes de classe média mainstream portugueses ignoram totalmente a pura diversão que é esse single (aquelas frases sobre o Michael Jackson são clássicos modernos). Mas não ignoram a obra-prima e o enorme banger gospel que é "Jesus Walks". E é em Oeiras ou em Sintra, Cascais é ali ao lado, por isso não deve haver problema nenhum em encher aquilo.
Há três hipóteses que me levarão aos Belle & Sebastian: a data do Kanye West estar errada, o Kanye West actuar muito mais tarde ou os bilhetes para o Kanye West esgotarem e eu não conseguir arranjá-los. Mas, provavelmente, as miúdas giras e tímidas com ganchinhos nos cabelos e óculos de massa terão de esperar. Isso e a música dos Belle & Sebastian, que também interessa um bocado, mas não tanto. Mesmo adorando ambos, algo me diz que o Kanye West se tornou num dos maiores artistas da actualidade, a julgar pelo Late Orchestration que eu só vi uma vez ao longe numa loja mas me pareceu muito bem. É triste, mas são coisas que acontecem, e é saudável podermo-nos dar ao luxo de ter coisas tristes destas em Lisboa em 2006.

sábado, junho 17, 2006

Cat Power

Muito tem sido dito por causa da forma como Chan Marshall deixou de ser aquela louca maníaco-depressiva sensível drogada, etc. que tanto podia escrever as canções mais bonitas do mundo quanto parar a meio de uma canção ao vivo e começar a chorar ou a contar histórias sem piada. Não vou dizer muito sobre isso, até porque não a vi no Festival do Porto há três anos e, especialmente, porque as palavras não conseguem descrever isto:



Ela dança e canta com uma voz belíssima no David Letterman, até faz a dança da galinha, está descalça, tem bling-bling ao pescoço, não sei mesmo o que dizer. Não sou pessoa de deixar aqui vídeos, mas não há outra maneira de falar disto. Ah, sim, e a capa do The Greatest, não sendo feia, impede-me de comprar o disco porque aquele cor-de-rosa me deixa enjoado (e isto não é uma piada).

Yo La Tengo

Apareceu hoje por aí o novo disco dos Yo La Tengo. Pelo menos parece ser. As faixas parecem não estar completas, sempre com fade-out um bocado estranho (o disco sai em Setembro). Chama-se I'm Not Afraid Of You And I Will Beat Your Ass, um nome horrível, mas desculpamos sempre aos Yo La Tengo aqueles nomes enormes que não fazem assim muito sentido, mesmo que este seja anormalmente mau. Não sei porque é que fico tão contente e excitado quando aparecem discos de bandas de quarentões quase cinquentões por aí (estou a mentir, só aconteceu outra vez este ano, com o Rather Ripped). Mas fico e não costumo sair-me muito mal.
Tem canções bonitas. Adorei a melodia de "Beanbag Chair", a voz do Ira Kaplan está cada vez melhor, com o piano e a secção de metais, "I Feel Like Going Home", a voz da Georgia Hubley continua sempre óptima, com a guitarra suave e a secção de metais, o cowbell, o falsete e o groove de "Mr. Tough", muito brasileiro, muito big band genérica dos anos 60. A voz dele (é a voz dele?) é tão frágil que fica tão esquisita e ao mesmo tempo soa tão bem em falsete. "Why don't you meet on the dancefloor?", canta ele, longe, mas tão longe de "The Last Days of Disco" de ...And Then Nothing Turned Itself Inside-Out.
A forma como as vozes do casal se entrecruzam em "The Race is On Again" mostra porque é que são uma das melhores bandas de rock do mundo, uma das últimas grandes. A voz da Georgia é tão infantil, mas bem menos infantil que a da sua predecessora óbvia, a Moe Tucker dos Velvet Underground, no campeonato de bateristas que cantam com vozes angelicais. E depois tudo pára quando ela canta "yesterday" e volta a entrar. E entram as linhas de baixo do James McNew. E logo a seguir canta por cima de baixo cheio de fuzz (ou talvez seja teclado), percussão psicadélica, pratos de choque e teclados aqui e ali, de uma forma tão blasé que funciona tão bem, especialmente nos "ah-ah".
Há madeira a arder (ou pelo menos soa como isso) no meio de Instrumental, dois acordes na guitarra alternados ad nauseam, com piano aqui e ali e outra guitarra atmosférica arranhada de forma suave e uma outra guitarra também de vez em quando. Muito cinemático. Parece ser um disco variado, da primeira faixa devedora dos Yo La Tengo dos anos 80, com uma malha de baixo repetida até à exaustão, num resultado não muito bom, em que Ira Kaplan esconde a sua voz por baixo de efeitos, até esta "Instrumental". A seguir a isto vem a parte dos anos 50/60. "I Should've Known Better" é rock'n'roll britânico dos anos 60, mas passado pelo filtro YLT, canção imediata, rápida e eficaz, sem rodeios. "Ronnie" é rock'n'roll clássico, mas a meio pára para um break com sopros e logo a seguir para um só de bateria. Muito fuzz e um solo simples.
"The Weakest Part" é muito country, mas com um piano honky-tonk, com a voz da Georgia e o Ira Kaplan a fazer harmonias de voz com ela em "ah-ah" lá atrás. "Tonight" é uma canção bem bonita, se bem que não me pareça que a guitarra tipo Byrds funcione muito bem lá no meio. "Happiness is a Warm" não é uma versão dos Beatles, mas antes, sei lá, como a música do genérico do Batman, com os papéis do casal de "The Weakest Part" trocados (Ira canta, Georgia faz harmonias por trás). "The Story Of" é a "Sugarcube" ou "Cherry Chapstick" que todos os discos de Yo La Tengo têm de/deviam ter, mas começa de forma muito calma (a bateria só entra aos 2 minutos e meio), mas é uma canção muito menor que essas duas.
Isto é só à primeira audição. A maturidade de que falava no caso dos Sonic Youth já chegou aos Yo La Tengo há muito tempo. O falsete do Ira Kaplan é um bocado estranho, em "Sometimes I Don't Get You" também dá ares da sua graça. A verdade é que os Sonic Youth são uma banda de rock'n'roll e continuarão a ser. Sempre com aquelas guitarras distorcidas, aquela dissonância, as vozes pouco polidas, os harmónicos patenteados, enquanto os Yo La Tengo vão buscar inspiração a estilos dos anos 60, à pop e ao soft-rock, com bocados de bossanova ou surf-music aqui e ali. Funciona realmente bem com eles, escrevem melodias mesmo bonitas e algumas óptimas canções, mas não sei se este novo disco é o que eu queria deles. Mais uma vez, é só à primeira audição. Em termos de casais quarentões do rock, continuo a preferir o Rather Ripped este ano, mesmo que, fora deste disco, os Yo La Tengo tenham das minhas canções favoritas de sempre. E isso é um bocado difícil de ignorar.

quinta-feira, junho 15, 2006

Coisas que aprendi nos últimos dias

1. O Noo Bai é dos melhores espaços para se estar em Lisboa.

2. Adormecer ao som de Sonic Youth a meio da tarde e ir no 23 e ele não fazer o desvio para o Pólo Universitário da Ajuda porque é feriado e está a chover são basicamente as melhores coisas que podem acontecer na vida de alguém.

3. O kuduro progressivo é o baile funk português.

3.1. O Adamastor pode ser um bom sítio de vez em quando (também serve como 1.1).

4. O DJ Shadow faz provavelmente a manobra menos comercial da vida dele, virando-se para o hyphy, e toda a gente protesta, dizendo que é comercial, que ele se vendeu, e que o que faz agora é igual ao que passa na MTV (nunca vi hyphy na MTV, nem na MTV Base).

4.1. O Armando Teixeira é fã de wife-beaters e nunca ninguém se vestiu tão mal quanto o DJ Shadow.

5. O The Squid and the Whale (óptima companhia+constatação de que até o puto Jesse Eisenberg - mais velho que eu, contudo - faz uma versão numa guitarra desafinada do "Hey You" dos Pink Floyd que mete a um canto a foleira versão original) é como um filme do Wes Anderson, só que é passado no mundo real. Quando no final apareceu o nome dele como produtor fez-se luz na minha cabeça. Gosto e quando for grande quero ter uma barba como a do Jeff Daniels.

sábado, junho 10, 2006

Sonic Youth

O que é a maturidade? Hoje, na Praça Camões (sempre pensei que fosse um largo, por se dizer "O Camões"), uns quantos boneheads estavam reunidos para celebrar o 10 de Junho. Aquele tipo do PNR que tem um bigode ou um bigode uma pêra e que parece ser dos tipos mais ridículos de sempre, o tipo que diz que a segurança é mais importante que a liberdade mas invoca a liberdade para poder dizer as barbaridades que diz, estava lá a discursar.
Esta gente hoje em dia diz que é muito respeitadora e só faz manifestações pacíficas, mas um tipo qualquer estava prestes a ser espancado, e teria sido se a polícia não estivesse lá. "Este gajo espancou um amigo há duas semanas!", diziam eles, ou algo parecido. E, referindo-se à cor da pele do polícia a quem o tipo se tinha dirigido, "só estás protegido ao pé dos macacos", "quando te apanharmos matamos-te".
Têm mais 10 anos, no mínimo, que eu, idade para ter juízo, mas quando se junta um intelecto superior ao consumo exagerado de cerveja e a assistir-se a demasiados jogos de futebol dentro das claques onde se espanca o adversário porque é de um clube diferente (faz tanto sentido quanto odiar o próximo porque é de um país diferente, e sentir orgulho exacerbado e violento no próprio país porque é aquele onde se nasceu). Será que são maduros?
Não sou adulto, não me parece que alguma vez vá ser, mas é suposto esta gente ser adulta. O tipo do PNR tem mais de 30 anos, veste camisa e gravata, não é suposto ser adulto? Quando passei por eles, tinha acabado de comprar o Rather Ripped. Supostamente ainda não saiu, mas já está à venda numa certa loja de origem francesa, como aconteceu, por exemplo, com o Feels dos Animal Collective no ano passado. É capaz de ter acontecido com outros discos, mas não estou a ver nada agora. Hoje em dia já não interessa muito a data de saída dos discos, não tanto quanto há 10 anos, ou há 20, quando a data de saída era uma celebração.
De qualquer forma, dizem que os Sonic Youth são maduros, atingiram a maioridade. Faz sentido, têm todos mais de 40 anos, são pais, filhos, vestem-se de forma mais ou menos respeitável (o Lee Ranaldo aparece em muitas fotografias promocionais, e no próprio disco, de camisa e gravata). Musicalmente, têm muito menos tendência para explodir em milhentos pedaços de puro barulho a meio das canções (e quando o fazem parecem muito mais disciplinados, mais uma vez, que há 10 e 20 anos), estão muito mais melódicos e mais pop. O Thurston Moore é fã de Be Your Own Pet, uma banda convencional de acordo com os padrões de hoje, que soaria fresca há uns 20/30 anos, o que poderia significar algo, mas não significa muito. Ainda é um dos responsáveis da Ecstatic Peace, ainda toca de vez em quando com os Sunburned Hand of the Man como Sunburned Hand of Thurston, e continua a ser como um mecenas da cena underground. O Lee Ranaldo ainda tem discos chatos de improvisação livre na guitarra, o próprio Moore também toca em discos desses, etc.
A capa de Rather Ripped é feia, mas lá dentro escondem-se muitas óptimas canções, e até a do Lee Ranaldo soa estranhamente pop. Ainda nenhum deles sabe cantar a sério, mas as suas vozes estão melhor do que nunca, especialmente a da Kim Gordon. É viciante e orelhudo (odeio esta palavra, prefiro o inglês catchy) ao mesmo tempo, com guitarras ultra-melódicas, refrões onde se repete uma única palavra, mas sempre com estruturas não muito convencionais onde há espaço para passagens instrumententais óptimas que nunca se tornam cansativas, só há um verdadeiro freak-out digno desse nome, em "Turquoise Boy", mas muito controlado e estruturado, e as dissonâncias e os arranhões nas guitarras estão em segundo plano, muito ao de leve. Há espaço para folk na última faixa (ainda há uma bónus), com guitarras acústicas e com a melhor pergunta de sempre para acabar um disco: "Which came first? The music or the words?", mesmo que o venha antes não seja grande coisa (perguntas a bandas e histórias de tournées, algo que não interessa a mais ninguém a não ser à própria banda). Mas os Sonic Youth fazem isto com uma perna às costas, melhor do que ninguém, e é isso que faz deles uma das melhores e maiores bandas do mundo. Sente-se a falta de Jim O'Rourke, mas mais em termos de produção do que qualquer outra coisa, a banda funciona perfeitamente - como sempre funcionou até ele aparecer - como um quarteto. E agradecem-lhe no booklet, por isso ele voltar não parece estar assim tão fora de questão quanto isso.
Talvez seja este o som da maturidade, o som de gente a entrar na casa dos 50 já bem instalada e sem paciência para grande experimentação. Mas não é, eles ainda sabem fazer aquelas coisas esquisitas que sempre fizeram, os dias de hoje é que são mais propícios a uma separação entre a componente experimental e a componente pop. Não sou adulto, não sou maduro, não me parece que alguma vez vá sê-lo no verdadeiro sentido da palavra, mas se este é o som da idade adulta, tenho muito por que esperar se ela alguma vez chegar.

sexta-feira, junho 09, 2006

Divagações livres sobre a associação Primo+X-Tina

Lápis é uma má escolha

(dá para perceber que o lápis é uma má escolha e que vale sempre a pena perder tempo à procura da caneta de acetato preta, peço desculpa por qualquer incómodo causado, é uma canção porreira, quase só percussão e sopros, com uma guitarra funky aqui e ali e scratch a condizer, e a voz dela chega até lá acima a meio mas de uma forma nada foleira nem forçada só para a distanciar mais da Britney Spears, ao contrário do que seria de esperar dela)

Sell out

By the way, if anyone here is in marketing or advertising... kill yourselves. Just planting seeds... No joke here, really, seriously, kill yourselves. You have no rationalization for what you do, you are Satan's little helpers, kill yourself, kill yourself, kill yourself now. - Bill Hicks

Talvez seja assim. Talvez não seja assim, porra. A propósito da malta da Elephant6, li há uns tempos, talvez no ano passado, um artigo acho que do New York Times, já com alguns anos, sobre a música na publicidade. Falava de como os Apples in Stereo reagiram às críticas dos fãs quando venderam um tema deles para publicidade (são um casal e tinham acabado de ter um filho e puderam finalmente comprar uma casa, mas os fãs estavam devastados porque era suposto eles serem muito underground e tal). Precisavam mesmo de dinheiro e venderam a alma ao diabo ou então a um carro, não sei. Nunca tive grande paciência para a maior parte da malta Elephant6, mas o Danger Mouse trabalhou com aquela gente numa loja de discos e chegou a fazer remisturas de Neutral Milk Hotel - Neutral Milk Hotel e Of Montreal são as duas únicas bandas de que gosto mesmo naquele universo -, por isso está tudo bem. O que até mostra mais promiscuidades com o mainstream. Mas não ficam por aí. Para um "colectivo" (não sei o que lhes chamar) que venera os Beach Boys e tem de tê-los em tudo, não faz muito sentido pensar em vender-se ou não, nessa velha questão parola.
Os Clash vendem carros, os Beatles também, a MTV abusa dos seguintes artistas em separadores e nos The Fabulous Life of...: Jurassic 5, Common, New Pornographers, Ted Leo & The Pharmacists, etc., por isso já nada dessas coisas fazem sentido. Mas não é por aí que quero ir. A primeira vez que ouvi o que quer que fosse do Jim O'Rourke foi há alguns anos, num anúncio da TMN. O tal artigo do New York Times dizia que os jovens que gostavam de música estavam a crescer, e que, como tal, arranjavam empregos em empresas de publicidade e assim e sacrificavam os seus ideais de juventude e punham a música de que gostavam nos anúncios. O anúncio da TMN era de uma campanha natalícia, e era o princípio de "Prelude to 110 or 220/ Women of the World", do Eureka. Lembro-me que na altura queríamos ter uma banda e, nesta varanda onde me encontro agora, juntámo-nos porque um de nós tirou de ouvido o riff de guitarra. Outro cantou, outro tocou bateria (ou o mesmo, não me lembro de nada), gravámos tudo no MiniDisc e eu não fiz nada a não ser tocar no botão para gravar. Dois de nós acabaram nos We Shall Say Only The Leaves, por isso deve ter sido uma experiência mais ou menos positiva.
Para mim, o próprio conceito de alguém se vender desvanece-se quando se começa a perder um preconceito quanto à música pop e, apesar de eu respeitar a integridade e o caraças do Q-Tip ou do Talib Kweli, por exemplo, não me posso esquecer que o Q-Tip canta o refrão no "Girls, Girls, Girls" do Jay-Z (um óptimo tema, e eu adoro o Jay-Z) e que o Talib Kweli aparece em reality-shows da MTV ao lado da Cameron Diaz e do Justin Timberlake. E ambos recorrem às produções dos Neptunes. Porque aí, longe do punk parvo que ouvia quando era ainda mais novo, e onde estas parvoíces faziam sentido (a Epitaph e a Fat Wreck e a Victory são editoras como todas as outras, o objectivo é vender), o que interessa no final de contas é a música.
Mas quando, por exemplo, ouço o novo tema dos Jurassic 5 que apareceu por aí, é o Dave Matthews que estraga tudo. Lembra-me aquele tema dos Long Beach Dub All Stars (eu era fã de Sublime na minha juventude mais longínqua) com os Black Eyed Peas horrivelmente mau, naquela mistura de "estamos na praia aqui todos boa onda" e hip-hop (só que os J5 são bons e os Black Eyed Peas nunca foram, por muitos Q-Tips que enganem para aparecer nos seus discos) que faz o genérico de uma das piores séries de sempre - Joey, e eu até gosto de Friends -, e, se isso já nem fazia sentido em 2001, muito menos em 2006, especialmente com a responsabilidade que os Jurassic 5 têm. O que interessa aí nem é o vender-se, provavelmente os Jurassic 5 vendem mais que a Dave Matthews Band (ou venderiam, num mundo justo), mas esta tentativa não só de juntar artistas bons e artistas maus (por muito bem que a banda do Dave Matthews toque, aquilo é horrível), mas também de os Jurassic 5 fazerem coisas sem o Cut Chemist, não resulta nada bem.
Mas, claro, há certas companhias que são o demónio, há certos artistas a quem nem devemos dar dinheiro, há certas coisas que fariam o Joe Strummer revirar-se na sua campa, e quem faz publicidade não devia conseguir dormir à noite, no final de contas o que conta é a música. E há demasiada música boa por aí para alguém ter preconceitos contra o que vende, contra o que ajuda a vender e contra o que é feito para vender. Ou talvez não e talvez devamos ignorar tudo o que passa na MTV (mas não o que passa na MTV2), por o mainstream era bem melhor nos anos 80 e já não se faz música a sério, valha-nos os revivalistas, viva os Editors que são os Interpol com sotaque inglês e os Bloc Party, só para dizermos que não somos racistas e gostamos de música negra.

quarta-feira, junho 07, 2006

Deerhoof=melhor banda pop da actualidade?

Não me lembro, e já passaram 6 meses, de este ano ter estado tão excitado por ver uma banda como estava ontem para ver os Deerhoof. Mas tinha também um certo desgosto pelo azar com que todos apanhámos por Chris Cohen ter saído da banda há muito pouco tempo. E duas guitarras nunca podem ser apenas uma guitarra, só em certos casos, por isso perde-se sempre um bocado, especialmente se a banda ainda não estiver habituada a tocar como um trio e não um quarteto.
Há uma girafa embalsamada - se for mesmo uma girafa é algo repugnantemente vil e cruel - no meio da pista de dança do Lux, à qual já não ia há alguns meses e que foi recentemente remodelada. Nem parece o mesmo espaço. Tirando a inexplicável girafa lá no meio, até é um bom espaço, acolhedor e simpático.
Parece que os Lobster são uma boa banda de abertura, mas merecem menos do que 45 minutos. Têm poder e força, mas não pude deixar de me aborrecer de morte lá para o meio. Felizmente ainda tinham um ou dois truques na manga que acabaram por compensar mais ou menos. O guitarrista toca no meio do público e não tenho propriamente nada contra isso, só torna a coisa um bocado difícil de ver e assimilar, mas também não estraga muito. Já não querem ser só os Lightning Bolt, o que é muito bom, porque também não têm sensibilidade pop para escrever um "Dracula Mountain". A guitarra sempre suja e a bateria sempre a partir podem dar coisas muito simpáticas, numa coisa que se distancia imenso dos Fish & Sheep, talvez por ter muito menos improviso, mas que pode resultar em algo igualmente catártico. Só não é bom para ver durante muito tempo.
A Satomi Matsuzaki tem, no máximo, um metro e meio. O ar japonês não engana ninguém, só faltava uma farda e podia ser uma colegial de 6 anos. Apeteceu-me, não sei porquê, dizer-lhe que ela era a minha heroína pessoal. Se calhar é, da voz aguda de criança à postura em palco, a fazer aeróbica com o baixo na mão, a abrir as pernas e a saltar, a fazer aqueles gestos coreografados divertidíssimos, a armar-se em crooner de jardim-escola a cantar para um coelhinho, tem tudo para ser um exemplo a seguir por mim. Ela limitou-se a agradecer, com um sorriso falso e cordial nos lábios daqueles que só os asiáticos sabem fazer, com a cabeça a abanar para cima e para baixo.
John Dieterich é o melhor guitarrista do mundo. Greg Saunier é o melhor baterista do mundo. O primeiro adora fazer caretas enquanto nos dá aqueles riffs e aquelas melodias, as mais bonitas, doces e açucaradas de sempre, a abrir a boca, a mexê-la, como quem está a domar a guitarra, mas também sabe arranhá-la quando é preciso mostrar aos Lobster quem manda nesses campos barulhentos. O segundo também adora caretas, tem uma t-shirt que deve ser a parte dois da capa do Milk Man, com o desenho de um monstro horrendo feito de fruta e outras coisas. Adora ritmos estranhos e peculiares, mas que se entranham na cabeça de uma forma especial, cheios de apelo pop.
Estava realmente feliz por estar ali, conhecia quase todos os temas, especialmente porque foram buscar na maioria na maioria das vezes canções aos três discos que conheço melhor, Apple O', Milk Man e Runners Four. "Flower" estava numa versão diferente da que está em disco, talvez pela falta de Chris Cohen, ou por a banda pura e simplesmente se ter fartado de tocar como estava, mas não resulta assim tão bem. É só Satomi a dizer "flower flower flau ooh aah", e perde um bocado de forma diferente. As coisas que soaram melhor foram as de Runners Four, talvez por ser o último disco, por serem mais recentes, mas também talvez por a banda ter atingido uma certa maturidade (Apple O' tem as melhores melodias, Milk Man os melhores riffs e Runners Four as melhores canções).
Já não se fazem bandas assim, nem se podem fazer, sempre a mudar, sempre com novas ideias (a Eurovisão em Green Cosmos, os jogos de vídeo em Se Piangi Se Ridi, etc.). Sabem ser experimentais e pop ao mesmo tempo, juntar canções e barulho quando é preciso, sabem ser doces e amargos e sabem entreter. E sei que, como hoje acordei e tive vontade de ir para a escola a ouvir o Murray Street dos Sonic Youth, os Deerhoof serão sempre uma das bandas a que eu recorrerei quando quiser, quando me apetecer, a razão pela qual acordo de manhã e a razão pela qual volto para casa todas as tardes ou noites ou assim. As batidas do monstro da bateria e os riffs do homem constantemente boquiaberto estão sempre na minha cabeça, bem como a voz e o baixo da japonesa quase anã que gosta muito de dançar levantado as pernas e mostrando as meias de criança e os ténis Vans amarelos. Os Deerhoof sabem criar melodias viciantes e boas e transformá-las em canções, e mesmo que não o façam - só o fazem constantemente agora a partir de Runners Four - dão sempre brincadeiras interessantes com refrões e versos viciantes e todas aquelas partes ruidosas. É por isso, por serem a melhor banda pop da actualidade, foram escolhidos, no passado, para abrir para os Wilco e, no presente, para abrir para os Radiohead. Porque nenhuma destas bandas se pode contentar com pouco e os Deerhoof têm muito para dar.

domingo, junho 04, 2006

Band of Horses

Não devia gostar mesmo nada dos Band of Horses, nem de "The Funeral", mas os Band of Horses são a melhor banda de "ouve esta canção, vai mudar a tua vida" de 2006. Tudo neles parece tão pensado, tão estudado, a voz do tipo (não tanto a voz, mas mais a forma de cantar) é mesmo quase igual à do tipo dos Shins, as letras parecem talhadas para o eixo MSN/Livejournal/MySpace/Hi5, mas pelo menos são a segunda banda em dois anos (a outra é Arcade Fire) a usar a palavra "funeral" não sendo um bando de góticos (o que é perfeito, tendo em conta a quantidade de góticos idiotas que podemos ver na rua no verão vestidos com imensa roupa preta e a aguentar aquele calor todo - isto não é ódio, é inveja).
Do riff de guitarra inicial à explosão controlada do refrão, passando pelos "ooh-ooh" do verso, "The Funeral" não devia ser mas é uma das melhores canções do ano. É, em quase tudo, perfeita, mesmo que soe como se tivesse sido feita para brilhar num remake do Garden State. E soa bem em quase todo lado, tanto no meio quanto no fim de DJ sets de rock, de electrónica, de hip-hop, do que quer que seja. Calha sempre bem.
A tentar, os Band of Horses escreveram a canção rock perfeita. Será que o facto de ter sido propositado (ou de soar como tal, aquilo parece ter sido criado com a ajuda de um manual ou assim) devia estragar alguma coisa (por exemplo, as piadas daquele anormal da bóina da Revolta dos Pastéis de Nata parecem tiradas de um manual e quase nenhuma delas tem piada por já as termos ouvidos mil vezes)? É que não estraga, e ainda bem.

quinta-feira, junho 01, 2006

Belle & Sebastian

A minha mãe não gosta dos dois últimos álbuns de Belle & Sebastian. Acha-os chatos e aborrecidos. É grande fã do Sufjan Stevens (adora o Illinoise e o The Avalanche, acha o que o Michigan não é grande coisa), de Kings of Convenience e de Elliott Smith. Mas das duas vezes que lhe dei para as mãos os dois últimos discos de Belle & Sebastian ela odiou. Para mim os Belle & Sebastian começam no Tigermilk, têm um ou outro EP, um ou outro tema na banda sonora no Storytelling e aqueles dois últimos discos. Nunca tive paciência para [descobrir] o resto, mas acho que a produção do Trevor Horn ajudou imensamente a banda e trouxe ao mundo a invenção do funk choninhas, no Dear Catastrophe Waitress, para depois o esquecerem com o The Life Pursuit.
No outro dia estive indeciso entre comprar o The Life Pursuit ou o Blueprint do Jay-Z. Não sei porquê, comprei o The Life Pursuit. Um bocado depois comprei o Blueprint, finalmente, mas naquela altura pareceu-me a escolha acertada. Não que não ache que o Jigga tem imensa pinta naquela capa com o charuto na mão, mas a embalagem do Life Pursuit é um livro e tem escocesas bonitas na capa (e no próprio livro), e estão vestidas de uma forma deliciosa que espero que influencie todas as meninas de ganchinho no cabelo que rumarão ao Coliseu em Julho. Claro, são tão ou mais influenciáveis que o resto das raparigas, e talvez muito mais limitadas musicalmente falando (fugiriam só de ouvir o nome "Jay-Z" ser pronunciado) mas como são indie dá-se o desconto (e os ganchinhos, porra).
Talvez a minha mãe tenha razão. Talvez os Belle & Sebastian devessem voltar com um coração partido ou uma coisa assim. Evoluíram de reis da pop choramingas escocesa para reis da pop kitsch escocesa. Mas no final é como diz uma amiga minha, sobre a série Less Than Perfect, a tal da ruiva rechonchuda: "Ela emagreceu e deixou de ser tão gira." Ela é gira de qualquer maneira, mas antes havia uma graça qualquer especial. Continua a haver uma graça especial, mas agora é outra. Talvez se passe o mesmo com os Belle & Sebastian, mas no final de contas, são ambos a mesma pessoa e a mesma banda, não mudaram assim tanto.

Divagações livres sobre Cam'ron e Jay-Z

Cam'ron