terça-feira, agosto 29, 2006

In one more hour I will be gone

Acabaram. Já há algum tempo. Já sabia antes de se saber, disseram-me. Esperava que não fosse verdade. Mas era. Já houve artigos e artigos e artigos sobre isso. Este não é mais um. É só triste. Cheguei às Sleater-Kinney definitivamente apenas o ano passado, com The Woods. Muitos fãs não gostam. Eu adoro. Tinha ouvido antes outros discos delas, mas tudo o que vinha para trás parecia-me demasiado igual. Sei lá. Já foi há alguns anos.
Algures no princípio do ano, com o catálogo da Matador em promoção na FNAC, telefonei a uma amiga para perguntar qual era o melhor álbum delas. Ela disse-me Dig Me Out, e eu comprei. E é um disco óptimo, e tem uma (aliás, muitas) canção enorme: "One More hour". Acontece que foi com esta canção que elas se despediram para sempre. Ontem, ou anteontem, li um artigo na Pitchfork que me fez adormecer ao som do disco, e lembrar-me de quão boa era essa canção. As guitarras entrecruzadas, a voz sempre estridente, ou as duas vozes juntas, são coisas belíssimas e poderosas e fortes e feias e bonitas e pujantes e enormes, tudo ao mesmo tempo.
E hoje encontrei o vídeo do final do último concerto delas no YouTube. O abraço no final é das coisas mais comoventes de sempre e todo o vídeo é belíssimo. Três mulheres a fazerem aquilo que gostam mais de fazer na vida, com uma entrega e uma comoção visível. É algo bonito. E a canção também. Porque é que se deixaram disto? Talvez achem que é melhor sair antes de fazerem algo embaraçoso, para não estragar o legado que está para trás. Se calhar acharam que tinham chegado onde queriam chegar, com uma obra-prima, The Woods. E esta foi a melhor maneira de dizer adeus:


sexta-feira, agosto 25, 2006

Lost without you, half dead

Estou agradecido, do fundo do coração, à namorada do John Darnielle que o deixou. Aliás, a todas as que o deixaram, a todas as que não chegaram sequer a estar com ela, a todas. Porque foram elas que fizeram Get Lonely, que é provavelmente das coisas mais bonitas que ouvirei este ano. Nunca fui grande fã dos Mountain Goats até The Sunset Tree, e se esse era um disco sobre o padastro abusivo daquele que é o protótipo do indie rocker dos anos 2000 - lido, ecléctico (adora hip-hop e metal), carismático e cheio de piada, com um sentido de humor brutal -, este é um disco sobre o final de uma relação.
Fui ver, há pouco menos de um mês, The Break Up, o filme que tenta fingir que há uma química desvanecente entre Jennifer Aniston e Vince Vaughn. Não há. E também não há piadas. Há uma comédia proto-séria que tenta lidar com o tema, mas nunca chega bem lá. Get Lonely é tudo aquilo que The Break Up não é. Não sei porquê, mas a crítica tem recebido Get Lonely como um disco mais negro e deprimente que The Sunset Tree. Parece-me, contudo, que é bem mais fácil a pessoa comum perceber o que ele canta em Get Lonely do que em The Sunset Tree. E “canta” é a palavra-chave aqui, porque Darnielle parece estar bem mais preocupado em escrever canções propriamente ditas, com óptimas melodias e óptimos arranjos - envolvem piano, violencelo, guitarra, baixo e bateria (e um metalofone em "Half Dead" e sopros lá para o final do disco), tudo belíssimo - do que no seu modo verborreico de contar histórias em que parece não conseguir parar de falar. E canta-as com uma voz suave e sussurada, num falsete frágil estranho mas também bonito. E funciona.
John Darnielle canta sobre acordar sozinho e arrumar a casa e fazer todas as tarefas do dia-a-dia sem alguém a seu lado. Escolhe as palavras como ninguém e tem a música perfeita para as acompanhar. Aliás, mais do que acompanhar, já que as palavras e a música são indissociáveis. E é impossível não gostar de John Darnielle, um tipo com piada que faz música triste, ou um tipo triste que faz música com piada. É os dois ao mesmo tempo, depende do disco. Neste está triste, mas sabemos sempre que ele tem um sentido de humor incomparável. Acho que todos devíamos estar eternamente gratos às mulheres da vida de Darnielle que lhe fizeram mal e, como exemplificado no vídeo que se segue, eternamente chateados com o barbeiro dele.


segunda-feira, agosto 21, 2006

Oh Morrissey, so much to answer for...

Já passou quase uma semana. Já houve tempo para pensar e, especialmente, pela primeira vez, reouvir o concerto. Viva a Antena 3 e os piratas que ficam em casa e se dedicam a pôr aquilo na internet. É bom andar pela rua a ouvir o concerto de um dos nossos heróis pessoais que vimos dias antes e pensar "eu estive lá." Até porque é verdade. Eu estive lá, a escassos metros do palco, a ver aquela figura que tanto fascínio exerce sobre mim há anos e anos.
E ver essa figura ir-se embora, do nada, a meio de "Panic", foi um duro golpe no estômago. Foi-o para toda a gente que fosse fã dele. É impossível não ficar impressionado e decepcionado e triste com aquilo. Mas ele faz o que quer. Nós, que o conhecemos melhor que ninguém, sabemos melhor que ninguém que ele não é nem nunca foi boa pessoa. Aliás, deve ser um dos seres humanos mais detestáveis do mundo inteiro. Talvez por achar que a raça humana é, no seu todo, detestável e não ter esperança nas pessoas. Nós, os fãs, não somos assim. E eu odeio fãs de bandas, fãs de artistas, mas desculpo isto. Bem, não desculpo Is It Really So Strange?, o documentário assustador que vi no IndieLisboa sobre os fãs dos Smiths e do Morrissey. Não, não são fãs como nós. São pessoas doentias, que mais do que saberem todas as letras do maior poeta pop de sempre, sabem onde ele mora, fazem tatuagens de autógrafos dele, guardam como melhores dias das suas vidas os dias em que o viram, em que ele lhes tocou. E ele não sabe sequer quem eles são. Não quer saber deles. Alimenta-se deles. Mas aqui é que está a estranheza: ele dá-lhes muito mais do que quer dar. Ele, não querendo saber deles, ajuda-os. E da melhor forma, através da música. Pediu-nos, aos fãs, uma vez: "But don't forget the songs / That made you cry / And the songs that saved your life." E todos nos lembrámos. E foram as dele que fizeram isso.
É estranho, quando nos entregamos totalmente a um concerto e esperamos que ele cante isto ou aquilo. Ele fá-lo todas as noites, ou frequentemente. Escolhe o que quiser, e é interessante como, através do seu livre-arbítrio, ele consegue condicionar-nos. Podia estar antes do concerto a comer uma sandes de tofu a pensar "hoje não toco nada do The Queen is Dead porque não me apetece." E não tocou. Para quem esperava que isso acontecesse, foi triste. Mas há coisas bem piores. Vimos todos o nosso herói, nós, os fãs, algumas das pessoas mais irritantes do mundo. E ele faz de nós o que quiser. O que quiser. E o pior é que nós gostamos disso.

sábado, agosto 12, 2006

UM

Chegou às FNACs na quinta-feira a edição 0,5 do UM, um novo jornal de música, basicamente, mas que quer também fazer-se de outras coisas. Sou colaborador do mesmo, e esta edição, que também estará disponível em Paredes de Coura ("ao pontapé", dizem os responsáveis), tem um texto meu sobre o Return to Cookie Mountain dos TV On The Radio, disco que eu nunca escondi ser um dos meus favoritos do ano. Mais informações no blog do patrão, no blog do colega e no blog do futuro colega.

quarta-feira, agosto 09, 2006

Let's not kid ourselves

É estranho, mas compreensível nesta era, ter um disco há 7 meses ainda dentro do plástico. Comprei, durante os saldos da AnAnAnA, quando me sobraram 12,5 €, o último disco dos Silver Jews. Obviamente, tinha-o em mp3, mas, como não tenho um gira-discos em casa, não o abri até hoje. De férias, tenho gira-discos, mas um que anda um pouco depressa de mais. Mesmo assim, deu para me lembrar o quanto gosto do disco.
Não conheço outros discos dos Silver Jews, e sei que o Dave Berman deve ser uma pessoa horrível. O que me chamou a atenção para ele foram, como costuma ser muitas vezes, os textos do João Bonifácio sobre o disco. Ele conhece-o e tudo e não me lembro de alguma vez ter falado com ele sobre isso, mas o Dave Berman deve ser uma pessoa mesmo difícil. Lembro-me também que, antes de ler o Last Plane to Jakarta, o melhor blog de sempre, o que me chamou a atenção para o génio do John Darnielle e dos Mountain Goats foram os textos do Bonifácio, que é basicamente uma coisa que me tem acompanhado neste verão ("Get Lonely" é das canções do ano e o recém-descoberto falsete do Darnielle é uma coisa deliciosa, quase tão deliciosa quanto os textos dele e as entrevistas - uma ao Tom Breihan em que ele falava de banda-desenhada, de metal e do Scarface era genial, é interessante ver como ele é o protótipo do indie-rocker em 2006 e é um fã confesso de hip-hop e metal, o que só mostra como o mundo mudou). É estranho, o Dave Berman é um poeta, acima de tudo, mas escreve óptimas canções com melodias e guitarras perfeitas que ficam na cabeça. Não me lembro, sinceramente, de gostar assim tanto do disco, tirando as frases ocasionais, como "If it ever gets really really bad / let's not kid ourselves: it gets really really bad" ou "Fast cars, fine ass / these things will pass."
O tipo tem uma barba e bebe muito álcool e outras drogas e deve ser uma pessoa deprimente e difícil de aturar. Mas faz música tão bonita. É difícil ficar chateado com ele quando diz que o Adão e Eva eram judeus. Mas nem tudo é bom. Os bootlegs que apareceram aí dos Silver Jews ao vivo - primeiros concertos de sempre - são sofríveis. Mas ele há-de chegar lá. E, com esperança, cá.

sexta-feira, agosto 04, 2006

Arthur Lee

Aconteceu-me a mesma coisa quando o John Peel morreu. No dia em que se descobriu que tinha morrido, estava a explicar ao meu irmão quem ele era. "Não sabes quem é o John Peel?" E, pouco depois, ele tinha morrido. Hoje, não faço ideia porquê, quando acordei quis ouvir o Forever Changes dos Love. Alguma vez o teria ouvido pela primeira vez se não tivesse lido que era um grande disco? Não me parece, não é propriamente de um género que me atraia muito, mas graças a listas e listas dos melhores discos de sempre, conheci-o.
E hoje ouvi o Forever Changes. E pensava na personalidade maior-do-que-a-vida de Arthur Lee, da entrevista que ele deu ao Blitz há dois anos ou três anos, em que provava estar completamente louco. Mas não interessa. Há umas semanas, invejava o Robert Christgau, por ter feito 60 anos e ter passado o mês de Junho a ver concertos. Um deles era um tributo aos Love com imensa gente interessante, incluíndo os Yo La Tengo. Lembro-me de pensar que gostava de ser assim quando fosse grande. Mas o Christgau vive em Nova Iorque, esteve lá em quase todas as maiores revoluções musicais daquela cidade dos últimos 30-40 anos, aposto que tratava os seguranças do CBGB pelo nome próprio, etc. Era um artigo bestial, e tinha há pouco tempo comprado a reedição de 2001 do Forever Changes por um preço estupidamente barato. E hoje ouvi o disco.
Não posso dizer que conheça mais discos dele, mas não me lembro de não gostar daquele disco. Agora descobri que ele morreu, no dia em que me apeteceu, não sei por que raio, tirar o disco da caixa e ouvi-lo. É um dia triste.