segunda-feira, outubro 19, 2009

Aborrecimento

O Gene Siskel – diz o Roger Ebert, que eu não tenho idade para saber quem era o Gene Siskel – perguntava várias vezes: "Is this film more interesting than a documentary of the same actors having lunch?" E às vezes não era. Bored to Death podia perfeitamente ser assim. Quer dizer, é o Jason Schwartzman com o Zach Galifianakis e o Ted Danson – já tive sonhos parecidos que a Igreja nunca aprovaria –, e, independentemente da premissa, eu veria qualquer que fosse o projecto em que estivessem os três envolvidos. Sem sequer pestanejar. Ao princípio foi isso que fiz.
Há tantas séries e tantos filmes que prometem, pelo elenco, pela gente envolvida, pela premissa, e depois vê-se e não são nada de especial. Sim, sei que sou culpado por demasiada excitação por projectos que depois não dão em nada, ou que dou veredictos demasiado cedo, sem me saber proteger de futuros fiascos. Mas desta vez tudo correu bem. Depositei a minha fé em algo e foi recompensado.
Nem sempre foi assim. A princípio, passei dois episódios a ver bons diálogos, boas piadas, mas sem eu querer saber muito da série. Um escritor não consegue escrever o segundo romance e põe um anúncio no Craigslist para ser detective privado, isto depois de reler um livro do Raymond Chandler. Ainda por cima a namorada acabou com ele. Então começa a receber, na parte kitsch da coisa, quase a imitar o fumo e as mulheres que entram no escritório dos detectives dos film noir e o caraças, clientes e a resolver os casos. Sempre com medo, cheio de neuroses e sem grande auto-confiança. O que, sim, admito, é uma boa ideia, mas consegue esgotar-se em poucos minutos.
Mas chega o terceiro episódio e nem sequer há um caso. Nada disso. Há um episódio que, do início ao fim, é brilhante. E passo do gostar muito ao adorar em segundos. Tem o Jim Jarmusch a fazer dele próprio, o cabelo do Jim Jarmusch, o Jim Jarmusch a andar de bicicleta num loft e a falar com o Ted Danson (o cabelo deles é tão bonito e parecido, até a própria personagem do Danson diz que o Jarmusch tem óptimo cabelo). Quase que me fez perdoar o aborrecimento que foi o último do Jarmusch (duas horas a fazer exactamente o mesmo para no fim ir matar o Bill Murray?). E duas ou três frases memoráveis, como a do pai da miúda menor que o Schwartzman quase leva para a cama: “Lives don’t change, we simply become more comfortable with our core misery, which is a form of happiness."
Param-me na rua – porque sabem que eu gosto desta gente, e na verdade só aconteceu duas vezes e só foi na rua, ninguém me parou propriamente assim do nada – e perguntam-me se tenho visto Bored to Death, e todos concordamos que o terceiro episódio foi brilhante. E foi. E é pouco provável que algum dos próximos episódios seja tão bom. Entre a parte do detective privado, kitsch, tosca, até quase banal e ridícula, está tudo cheio de referências a alta cultura, livros e filmes e o caraças, mas não é preciso conhecê-las para rir ou gostar daquilo, só para atingir certas piadas (no episódio de ontem a personagem do Danson diz que as revistas do Jann Wenner começaram a vender quando ele se tornou gay). E acho que, à custa da série, vou comprar um ou dois livros do Jonathan Ames, o tipo que a criou e que dá o nome à personagem do Schwartzman.
Acredito que aquilo de que mais gosto, que me diz mais, tem um bom balanço entre coração e piada. É isso que procuro em tudo, quer seja no que faço ou no que vejo. Não é sempre assim. Mas às vezes gosto de coisas que só têm um). E dou por mim a querer saber desta gente toda, e não só da personagem do Zach Galafianakis (por razões óbvias de identificação). Mesmo que, à partida – e especialmente a personagem do Jason Schwartzman –, aquela gente pudesse ser demasiado estilizada para querermos saber deles. A saber mais ou menos o que que tipo de coisas é que dizem, que pensam, as ideias estranhas e até doentias do Danson e o do Galafianakis, por onde é que podem surpreender, etc. Isso, para mim, é boa escrita. Se houver umas piadas pelo meio, ainda melhor. Há isso tudo aqui, e é por isso que as minhas segundas-feiras ganharam um ritual.

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