sexta-feira, janeiro 19, 2007

Para a esquerda, para a esquerda

Estava a reler o post do Sasha Frere-Jones sobre o Volver e lembrei-me, numa espécie de epifania: "Irreplaceable", da Beyoncé, é uma grande canção. É uma forma estúpida de começar qualquer coisa que seja, qualquer texto, mas é verdade. E a canção é grande. Mas não tenho qualquer vontade de ouvi-la. Posso estabelecer um paralelismo com "Save Room" do John Legend. São duas óptimas canções mainstream que me soam tremendamente melhor quando me lembro delas e não quando as estou a ouvir realmente. Talvez seja dos defeitos que encontro nelas, a guitarra acústica e o vídeo da Beyoncé, o vídeo e a voz que estranhei à partida do Legend.
Há uns meses li um artigo do Kelefa Sanneh (porque é que começo tudo assim?), que se tornou, durante o ano que passou, uma das minhas pessoas favoritas de ler. É absurdamente bom que lhe dêem tanto espaço no New York Times para escrever sobre uma só canção que se ouve em todo o lado, como esta da Beyoncé, ou sobre o que quer que seja, sobre a fragilidade de certas estrelas pop. Não me lembro bem, mas houve um bem interessante sobre como as estrelas pop agora estavam cada vez mais humanas, a Paris Hilton ou o Kevin Federline são totalmente humanos como "músicos", falham bastante e assim e mostram essas falhas. O que só me transtorna por ver que um projecto como o UM ficou suspenso. Tinha para sair nesse número um texto sobre o disco do JP Simões, basicamente o maior escritor de canções em português dos últimos anos, cada vez maior, sobre o disco dos Clipse, uma entrevista ao Ty e um texto sobre um concerto de Riding Pânico. Dois destes textos vão arranjar forma de sair, mas os outros não. O que não interessa nada, interessa é que se perde um jornal e perde-se o espaço dado a gente como Jorge Manuel Lopes, Pedro Gonçalves, Eduardo Sardinha ou José Marmeleira em jornais (não falo dos "putos" como eu porque a nossa situação não é tão grave).
O mundo perde muito, com os jornais todos empacotados numa caixa para a esquerda, para a esquerda. E a parte triste é que não teremos outro num minuto.

(tinha de acabar assim, para parafrasear a canção)

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Mash-ups

Os mash-ups morreram, no mínimo, há quatro anos. Claro, ficaram alguns clássicos, lembro-me agora dos dois "A Stroke of Genius" e de "Maps Around The World", que misturam, respectivamente, Strokes e Christina Aguilera e Yeah Yeah Yeahs e Daft Punk. O ano passado (ou há dois anos) também houve uns bons que juntavam José Gonzáles e The Game. Este ano há "The Knife". "The Knife", dos Grizzly Bear e "Heartbeats" dos Knife. Sim, um dos mash-ups com o Gonzáles vinha da versão que ele tem da canção dos Knife, mas, basicamente, é a única canção boa dos Knife (banda mais foleira/irritante de sempre?). Também nunca percebi o Silent Shout e muita gente adora. O bom gosto não vive ali, mas "Heartbeats" funciona bem. E a batida funciona bem com os "whoa-whoa" dos Grizzly Bear. O meu cabeleireiro gay favorito junta-se à melhor canção dos anos 2000 - tão boa quanto todas as outras melhores dos anos 2000 - e funciona bem. Quem tem aquilo é o blog Brooklyn Vegan. Grande.

Saldos

O Mos Def lançou um novo disco. E depois retirou-o do mercado. O que é que isso quer dizer? Nada. Para ninguém. Não me devia importar, não nos devíamos importar, mas o Mos Def tem um novo disco. É horrível. Tem uma, duas ou três faixas, no máximo, que se aproveitem. Vem numa caixa transparente. Só mostra que toda esta gente desistiu. O rapper, a editora, tudo. Desistência. Acontece muitas vezes. O Mos Def já desistiu de ser rapper há muito tempo. Agora é actor. E acha que é cantor, mas, basicamente, isso não vale a pena. Nem New Danger era bom nem Tru3 Magic é bom. Não vale a pena, pá. É uma tristeza. O homem já foi grande. Enorme. Um dos maiores. Os Black Star são magníficos, o Talib Kweli é um grande letrista mas nunca teve a voz e o flow de Def. E enquanto o Kweli se mantém relevante, o Mos Def é preso por actuar sem licença e não parar e faz filmes com o Bruce Willis. Vá-se lá saber.
Fui aos saldos. Janeiro é sempre um óptimo mês em que a minha colecção de discos aumenta a olhos vistos. Trouxe hoje da AnAnAnA muitos discos, maioritariamente de hip-hop indie. Estou a ouvir o Later That Day do Lyrics Born. Nunca dei muito por ele, nunca ouvi Latyrx e o colega dele lá, Lateef, tem um dos piores singles de sempre com o meu rapper favorito (o Q-Tip). O Lyrics Born não é negro mas parece. Tem um flow versátil e rima extremamente bem. Faz coisas incríveis. O disco parece-me bastante bom, até mais ou menos ao fim, em que o cantar/rappar dele estraga tudo em faixas com um apelo jamaicano manhoso. É precisamente isto que se passa com o Mos Def. Não há qualquer necessidade de, em plenos anos 2000, fazer isso.
É sempre interessante ver que tipo de discos é que aparece nos saldos de qualquer loja. Nos saldos da Flur, aqui há uns meses (acho que foi em Outubro), comprei um disco de Lifesavas. Não sabia o que era, mas acabei por gostar bastante. É da Quannum Projects e ando a ler o Can't Stop Won't Stop há demasiado tempo e o Jeff Chang é um dos fundadores da editora. Parece-me ter coisas bastante boas e variadas e não ser enfadonha e impossível de apreciar como muitas outras que para aí andam (comprei também discos da Def Jux, da Stones Throw e da Anticon esta semana, isto parece-me bem superior a isso). Trouxe também Plant Life, Campfire Songs, o Milk Man dos Deerhoof outra vez (porque era 1 €), etc.
Para alguém que, como eu, passa muito tempo todas as semanas a procurar e procurar discos em promoção (a maior parte das vezes em CD, mas às vezes também em vinil), em segunda mão ou noutro modo qualquer, é interessante ver o que aparece nesses sítios. A banda sonora do He Got Game do Spike Lee pelos Public Enemy está na secção de hip-hop dos 5 € da Carbono (o sítio mais assustador de sempre para comprar discos de hip-hop, com os pouco simpáticos empregados a julgar-me sempre com os olhos) há mais de um ano. O disco do Trio que junta Dolly Parton, Emmylou Harris e Linda Rondstat também, mas na secção geral. São discos que estarão sempre lá, até alguém comprá-los, o que é algo improvável.
Também é interessante ver que se pode "viver", musicalmente falando, dos discos que se arranja abaixo do preço normal exageradíssimo dos discos hoje em dia. Mas há sempre coisas que são insubstituíveis. Não se pode substituir certa música por outra música que seja mais barata. A música não é assim. Meto-me a pensar nestas coisas de vez em quando. Não nos podemos limitar a nada, a uma só coisa, temos de ir a tudo aquilo que quisermos. E é preciso haver escolha. Um dia vou à Carbono e trago para casa os Public Enemy, o Trio e o The W dos Wu-Tang Clan que vive lá.

sábado, janeiro 06, 2007

Cinco acontecimentos absolutamente indispensáveis de 2006

2006 foi um ano do caraças. Pessoal e musicalmente. Não sei se fui a mais ou menos concertos que em 2005 ou 2004, mas rendeu na mesma. O meu ano em cinco acontecimentos:

05. O ballet ao som de Milk Man dos Deerhoof Uma escola qualquer não-sei-onde pôs puto a tocar e a dançar ao som do Milk Man (tocado pelos putos, claro) e gente a dançar. No meu tempo fazíamos coisas ao som de Chick Corea e éramos mesmo mesmo mesmo parvos, não tínhamos indie-cred nenhuma. Oh meu Deus, porque é que não criaste o Milk Man nos anos 90? Na mesma onda: a dança dos coelhos no Lux, foda-se. Melhor banda do mundo? Uma das.

04. "I know you can feel the magic, baby." Todos nós a sentimos. Foi agora em Dezembro. "Black Republican", pessoal. Ou como pôr para trás das costas anos e anos de rivalidade e fazer magia. Os sopros, tirados da banda sonora do Godfather II, funcionam tão bem. Tão bem. E estão em ambos em grande. Falo, é claro, da primeira colaboração de Nas e Jay-Z. E foi tão mágico quanto todos esperávamos e quanto Jigga diz.

03. A morte J. Dilla e James Brown e um porradão de gente. O Robert Altman. Se calhar sou eu que tenho um medo desmesurado da morte. Não sei. Talvez seja. Mas há tragédias horríveis. Não me estou a lembrar de mais ninguém agora, mas morreu muita gente este ano. Mário Cesariny. Mais gente. Não sei quem mais. Grant McLennan, meu Deus. Alguém que eu vi ao vivo. Bolas. Como o Ali Farka Touré que eu vi em 2005. Acho que são as únicas duas pessoas que vi num palco e morreram, pelo menos que me lembre. O Arthur Lee também morreu. Nunca o vi em lado nenhum. Houve tanta gente a morrer, morre tanta gente. É triste. Morrer gente é triste.

02. Kanye West em Oeiras Cada vez que ouço uma canção dele lembro-me porque é que gosto tanto daquilo. Às vezes esqueço-me. A arrogância e a excessiva auto-confiança dele transformam-no numa pessoa facilmente detestável. Mas em cima de um palco daqueles, os samples de voz acelerados (ninguém os faz como ele, o Just Blaze e o RZA que me desculpem), toda a essência da pop em retirar o melhor de tudo o que já é de si bom associados a alguém que, até há bem pouco tempo, era apenas um puto que fazia beats e não rimava nem nada que se parecesse. Mas quis tanto que se tornou estrela. E ficou cada vez maior. O seu ego também, mas há ali qualquer coisa que transparece ao vê-lo ao vivo, à nossa frente, maior do que a vida, há algo que nos remete para o fã, para o sonhador, para o puto. E há a música.

01. Snakes on a Plane Pessoalmente, é o meu filme favorito de sempre. Talvez. Mas não pelo filme em si. Do ponto de vista cultural, é algo que vale realmente a pena. Mesmo que o filme não existisse, só a ideia e o pretexto é algo que é importantíssimo. É o maior acontecimento de sempre. Samuel L. Jackson, avião, cobras. Não há mais nada. É só esta ideia. Há uma ideia e há uma realização. Se não existisse a realização, haveria sempre a ideia. E bastaria. A realização não é assim tão boa. Podia ser muito melhor (pior). Mas "Ophidiophobia" é, talvez, a melhor canção de sempre. Raios. Porque é que eu minto sempre? Mas adoro. Sempre que o Cee-Lo Green entra em canções destas, em theme songs, cria clássicos. Já foi assim no disco de Danger Doom. A voz dele é tão estupidamente boa, e aquele refrão...e depois "I'm tired of these motherfuckin' snakes on this motherfuckin' plane." Grande, grande, grande.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Cinco razões para ter amigos em 2006 parte III

Pedro Figueiredo. Foi meu director no Clix Música e n'Os Fazedores de Letras, ambos projectos falhados. Tem a maior colecção de bootlegs de Suede e Gift de sempre e a maior colecção de t-shirts de gola em V fora da minha família (o meu irmão é o seu maior rival). Escreve na Ruadebaixo e na Mondo Bizarre e faz anos hoje, daí dar-lhe isto:

Cinco razões para ser como o Pepe* em 2006



*jogador brasileiro do Futebol Clube do Porto por estes dias nacionalizado português

Chegou ao Marítimo há uns anos, e logo deu nas vistas. Não aparentava possuir o potencial hoje devidamente explanado, mas mostrava já algum serviço. Agora uma dúvida muito pessoal: não me lembro se ele esteve realmente no Sporting Clube de Portugal. Acho que sim, que foi emprestado meia dúzia de meses e, sem oportunidades, voltou para a Madeira. Mas sinceramente não me lembro de o ver com a camisola leonina ao peito. Pouco importa. O ano passado e, essencialmente, na temporada que por estes dias sofre pausa (absurda, diga-se), tem-se vindo a destacar ao serviço do FC Porto, sendo um dos grandes esteios da equipa que, aposta-se sem grande factor de risco, será campeã nacional. Recentemente seguiu as pisadas de Deco e pediu dupla nacionalidade, afirmando-se disponível para representar a selecção comandada pelo nosso cada vez mais italiano Scolari. Serve esta parva e extensa introdução para traçar uma analogia musical completamente desprovida de sentido mas, ainda assim, extremamente válida não tanto conceptualmente mas mais pelos objectos em causa. A selecção musical nacional teve, em 2006, alguns bons motivos para se orgulhar de si mesma. Se, verdade seja dita, faltou algum nervo sub-21 (retomam-se as analogias da bola), tal não foi impeditivo para que alguns nomes consagrados (ou semi ou em vias de) espalhassem o perfume do seu fute…repertório pelos doze meses que agora findam. Seguem cinco razões para, em 2006, se pedir nacionalidade portuguesa:

5. Linda Martini – Olhos de Mongol Boa gente de boas origens (Queluz e Massamá), atitude q.b., energia, bom uso de novas ferramentas de promoção (2006, ano MySpace). A música? Pós-rock flanqueado por diferentes balizas, letras incisivas e de apelo imediato e sombras de nomes como Sonic Youth, Isis ou, em terra de Camões, Ornatos Violeta. Há temas longos, três guitarras em discurso directo, momentos mais rápidos (vide “Cronófago”) e uma força pouco comum. Depois, alguns membros lembram-se ainda do Professor Sanches que dava Filosofia na Escola Secundária Miguel Torga, em Massamá. Dificilmente poderíamos pedir mais que isto. Pelo menos por agora.

4. Sérgio Godinho – Ligação Directa Não há grande coisa a dizer sobre Sérgio Godinho. O maior de escritor de canções português é redundância. Apelidá-lo de mediano comentador de futebol já é mais subjectivo – mas menos certamente que a certeza de que Jorge Gabriel desempenhava um papel mais ajustado. Ligação Directa é Sérgio Godinho em grande forma a cantar Portugal. Mais cordas, arranjos do caraças, uma voz a brilhar bem alto. Enorme.

3. Bernardo Sassetti – Unreal: Sidewalk Cartoon História mirabolante (que envolve operários e a música como salvação - tudo isto na península de Quasi-Algures), conceito multi-artístico que vê em disco paragem obrigatória para a sua total percepção. A simplicidade da partitura de Alice mora distante, ficando no ar, no entanto, algumas ambiências cinematográficas muito ao gosto de Sassetti. A história é tão improvável como actual nas questões levantadas. A música, essa, é da melhor que por este ano se ouviu. E há ainda o melhor título de canção do ano (de sempre?): “I Left my Heart in Algândaros de Baixo”.

2. Sam The Kid – Pratica(mente) Chegou tarde mas em boa hora. Provavelmente o melhor disco de hip-hop de sempre em terrenos nacionais. Já houve polémicas, as vendas surpreenderam na semana de estreia, a divulgação (e apreciação) tem sido ampla. Referências culturais convivem com linguagem e temáticas de rua, num registo desarmante, pessoal e de uma ambição enorme. Quase tão grande como a qualidade das canções aqui incluídas.

1. Dead Combo – Vol.2: Quando a Alma Não é Pequena Diz o responsável por este blog que Dead Combo “só rende ao vivo”. Errado, meu caro. Vol.2: Quando a Alma Não é Pequena é a total confirmação dos intentos de Tó Trips e Pedro Gonçalves: pegando numa raíz sonora assente no fado, os músicos vão buscar elementos cinéfilos, elementos de Western, elementos da nossa Lisboa. Elementos musicais de uma portugalidade urbana. O ambiente é de verdadeiro delírio quase Western versão Sérgio Leone transportado para Lisboa, século XXI, 2006. Fado? Fado-Western? Rock? Um grande disco, que se lixe o estilo.

Um agradecimento final ao Rodrigo pelo convite para escrever este texto e uma mensagem ao Pepe e respectivos interessados na cidadania portuguesa: aproveitem os dias finais do ano que não se sabe o que 2007 nos reserva [nota do autor do blog: ooops...].

Modest Mouse

O facto de haver uma gravação de rádio de "Dashboard", uma nova canção dos Modest Mouse, faz-me feliz por viver em 2007. Razões: aquela voz, as guitarras e o facto de uma das minhas bandas favoritas dos anos 2000 ter nas suas fileiras, agora, o guitarrista de uma das minhas bandas favoritas de todo o sempre. E nota-se tanto.

terça-feira, janeiro 02, 2007

Acontecimento do ano?

São quatro da manhã e constato que o ano começa extremamente bem. O Talib Kweli e o Madlib lançaram um disco de colaborações. São 30 minutos, vou na sexta faixa, e parece-me muito bem. A parte grande, enorme, de louvar é a seguinte: o disco é grátis. Grátis. Totalmente grátis. Pode ser sacado aqui. Um disco de hip-hop totalmente grátis. "Still I'm bringing sexy back like Timbaland and Timberlake", diz ele. Que bem. Como se as citações disso não fossem ainda suficientes...mas é sempre um prazer ouvir o senhor rimar e o outro senhor produzir, e de graça...voltarei às listas - minhas e dos outros - quando tiver tempo para isso. Nunca pensei vir a dizer isto, mas não estou assim com muito tempo agora. E o disco tem o Consequence, que deve vir aí com um bom primeiro disco, quinhentos anos depois dos discos dos A Tribe Called Quest em que ele aparecia. Ou teria sido só um? Não me lembro bem (não que eu tenha ouvido na altura, sou uma criança). Acho que ontem tive uma grande ideia: a de um DJ de YouTube. É fácil, arranja-se dois computadores, liga-se a um projector e a umas colunas e alterna-se entre vídeos do YouTube. Como diria o Bonga, "vai ser esse o mambo em 2010".